As novas entidades familiares

0
1281

Não raras vezes o Poder Judiciário é instado a se manifestar sobre situações sociais que não encontram expresso amparo legal. A “interferência” judicial é necessária em decorrência do descompasso entre as modificações sociais e as alterações legislativas. A sociedade se modifica constante e rapidamente, enquanto as leis são elaboradas sem a velocidade necessária para normatizar nas novas realidades sociais.
Uma das inovações sociais não regulamentadas expressamente pela legislação vigente refere-se aos novos modelos de entidades familiares, formadas a partir do “poliamorismo”, que consiste na possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. O tema promove uma quebra do paradigma da “tradicional família brasileira” e, em se tratando de situação de fato sem expresso amparo legal, foi submetido à apreciação do Poder Judiciário. Não é de hoje que a Justiça Brasileira reconhece como entidade familiar as composições integradas por outras pessoas além de um homem e uma mulher. Há, por exemplo, o reconhecimento de direitos decorrentes de duas uniões estáveis simultâneas; é reconhecida também a figura do trisal, que corresponde a um “casal” formado por três pessoas. O Poder Judiciário tem se posicionado no sentido de que o instituto da família deve ser reconhecido sempre que houver demonstração de afetividade entre as partes, comprometidas em zelar pela construção de um lar sadio.
O posicionamento adotado pela Justiça Brasileira é louvável, uma vez que decorre da delicada situação a qual ela é submetida pelo Poder Legislativo, que não atua no sentido de promover as inovações legislativas necessárias para acompanhar as inovações sociais. Nestas condições, o Poder Judiciário faz uso das mais diversas formas de interpretação das leis vigentes para dar a solução que o caso concreto reclama. Todavia, este tipo de atuação pontual do Poder Judiciário promove a necessidade de outras “interferências” da Justiça para solucionar novas situações de fato decorrentes daquela primeira, já apreciada. O reconhecimento de novas entidades familiares reflete em outros aspectos de interesse jurídico e igualmente não legalmente adequados à este novo modelo, tais como a atuação dos cartórios extrajudiciais, a partilha de bens, divórcio e pensão alimentícia, guarda de filhos, exercício do direito de visitas, benefícios previdenciários devidos ao cônjuge, etc. É necessário que seja dada uma solução a todos os reflexos jurídicos do reconhecimento das novas entidades familiares brasileiras, mas isso certamente dependerá de novas atuações pontuais do Poder Judiciário, já que o Poder Legislativo não está preocupado em legislar para modernizar o ordenamento jurídico pátrio.

 

 

 

Advogado. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Bauru/ITE. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pela Faculdade de Direito de Bauru/ITE.

Deixe uma resposta