Padre Ricci – Entrevista

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O atual Pároco da Igreja São
Cristóvão fala sobre a sua vida
e temas importantes da igreja

“O que seria vencer?
Ser feliz? Ter o mínimo
decente? A grande questão é encontrar um sentido profundo para a nossa vida e existência terrena. Estamos neste mundo para produzir frutos e deixar um legado positivo”

Revista Atenção: Onde o senhor nasceu e como foi sua infância?
Nasci em Bauru e cresci no bairro Nova Esperança, onde procurei conciliar escola, boas amizades, futebol e igreja. Tive uma infância humilde, porém sem grandes necessidades. Após a catequese de primeira Eucaristia participei ativamente na adolescência do Grupo de Perseverança, que fortaleceu a minha fé e motivação para participar da vida da Igreja. Tínhamos um time de futebol e desbravamos alguns lugares para construir campinhos de futebol, com traves de bambu. Não havia lugares disponíveis como hoje para a prática do meu esporte favorito. Construir o próprio local para o divertimento causava em nós grande contentamento. Aliás, no tempo de minha infância, os brinquedos eram construídos por nós, com objetos reciclados. Hoje o brinquedo é descartável, antes não. Tudo era muito mais valorizado. A criatividade supria a escassez que, naquele tempo, nunca foi um problema. Sabia conviver muito bem com essa realidade. Comecei a trabalhar com 14 anos como Menor Aprendiz, pelo CIPS de Bauru, a quem devo muito e agradeço. Com menos de um ano fui registrado pela empresa. Trabalhava durante o dia e fiz o ensino médio à noite.

Em qual momento da sua vida o senhor decidiu ser padre?
Deus se comunica no cotidiano de nossa história. A atitude de discernimento, juntamente com a oração e participação na vida da comunidade, me ajudaram a perceber o chamado de Deus para mim. Foi assim que decidi entrar para o seminário, em fevereiro de 1989.

O senhor nunca teve vontade de casar e constituir uma família?
É claro que sim. Constituir uma família era o meu único projeto. Contudo, Deus tem os seus caminhos e acabei acolhendo o seu chamado para uma outra proposta, não mais importante que esposa e filhos. Os sacramentos da Ordem e do Matrimônio têm o mesmo valor diante de Deus. Não concordo com escala de valores para os dois sacramentos. Aliás, construir uma família hoje, diante de tantos desafios e mudanças, é uma nobre vocação, até mais exigente que o sacerdócio.

Como foi a aceitação da sua família?
Deixei o meu trabalho e comuniquei minha família um mês antes do ingresso. Todos acolheram muito bem a minha escolha e me apoiaram durante todo o meu percurso vocacional que durou quase nove anos. Após minha ordenação sacerdotal, em julho de 1997, fui enviado para Roma pelo saudoso amigo Dom Aloysio, Bispo de Bauru, para cursar o Mestrado em ética cristã. Tive também total apoio da família para esse projeto.

Conte um pouco sobre a história da Igreja Católica.
A Igreja, Povo de Deus, Comunidade de fé, recebeu de Jesus a missão de dar continuidade ao seu projeto de amor e salvação. Para tanto, no decorrer dos séculos, a Igreja foi se edificando, tendo como fundamento a fé em Cristo. A Igreja é guiada pelo Espírito Santo, porém constituída por pessoas marcadas por fragilidades. Por isso dizemos que a Igreja é santa e pecadora. Não obstante seus erros e fragilidades, a Igreja nunca deixou de ser um sinal de amor e esperança para a humanidade, em vários setores da vida: educação, saúde, cidadania, cultura, caridade, assistência aos mais necessitados etc. O legado positivo é infinitamente maior que os erros e pecados do passado e do presente.

Qual sua opinião sobre a pedofilia na igreja católica?
É uma chaga na vida da Igreja, resultado da fragilidade humana, que deixa feridas profundas na vítima, família e comunidade.

O senhor tem alguma estratégia para atrair fiéis?
Estratégia não. Quem atrai é Jesus. Procuro apenas colaborar e oferecer o melhor, dentro dos meus limites e fragilidades, para que as pessoas façam um encontro profundo e transformador com Cristo. Sei que o meu papel é indicar o Mestre, como o fez João Batista.

Qual sua opinião sobre o atual Papa?
Pessoa certa, para o lugar certo e momento certo. Uma escolha do Espírito Santo que não seria possível sem a grandeza e humildade do Papa Bento XVI que, com grande sabedoria, renunciou ao governo pastoral da Igreja. Um gesto nobre de desapego e reconhecimento dos limites é extremamente profícuo. O Papa Francisco conquistou a simpatia dos cristãos e não cristãos, inclusive de muitos que se dizem ateus ou indiferentes à religião. É um homem conectado à realidade e sofrimento humano. Toca em questões pontuais e de grande interesse para a sociedade. Sua simpatia é contagiante e faz com que as pessoas se tornem mais permeáveis ao seu ensinamento e apelos.

Qual sua opinião sobre os padres que se tornam artistas?
Se o Bom Deus, fonte de tudo, confiou aos seres humanos talentos diversificados, acho perfeitamente normal e plausível conciliar o sacerdócio com a arte. É um meio de evangelização e de transmissão de valores cristãos. Contudo, a vigilância para não perder a identidade cristã e sacerdotal deve ser constante. A fama pode ser prejudicial, como também pode abrir portas e corações para que o Mestre Jesus entre e transforme. Ninguém deve ocupar o lugar de Cristo. A questão é como conciliar a arte com o conteúdo, numa cultura tantas vezes imediatista e individualista. Não se pode reduzir a fé cristã ao entretenimento apenas.

O senhor aprova as mudanças que a igreja está impondo nos últimos anos?
É claro que sim. Se estiverem em sintonia com a proposta de Jesus, facilitando que a Igreja esteja mais conectada com a realidade concreta das pessoas, as mudanças são sempre bem vindas e necessárias. O Espírito Santo é criador e criativo. Uma Igreja guiada pelo Espírito Santo não pode ser estática e sim dinâmica. Contudo, tenho receio e me preocupo com tendências mais conservadoras que freiam ou impedem as mudanças plausíveis e necessárias.

Qual sua opinião sobre a doutrina católica?
Acolho como membro e sacerdote os ensinamentos da Igreja Católica. Contudo, a obediência não anula o diálogo, reflexão e propostas plausíveis de mudanças. Há espaço para isso. As mudanças na Igreja não acontecem com a mesma velocidade da ciência e da técnica. Portanto, é preciso ter paciência, cautela e serenidade. O Papa Francisco tem colocado na agenda da Igreja temas complexos que paulatinamente estão sendo enfrentados.

O senhor celebra casamentos. É um momento emocionante?
Sem dúvida! Trata-se da consagração do amor humano a Deus, fonte de todo amor verdadeiro e duradouro, coroamento de um percurso e comprometimento vital. Quando o casal participa ativamente da vida da Igreja, quando a fé é maior que o ato social, existe uma diferença substancial na cerimônia, não por mérito do padre, mas pelo casal. Muitos casais se preparam muito bem para o matrimônio. Faz alguns meses atendi um casal em confissão no dia da cerimônia. A noiva me disse, “a confissão padre é para mim mais importante que o salão e as unhas”. Esse fato repercutiu na cerimônia e certamente na vida do casal.

Qual sua opinião sobre o atual governo de Bauru?
Como ele não será candidato à reeleição, me sinto mais livre para expressar minha opinião. Tenho grande admiração pelo Prefeito Rodrigo. Na ordem do fazer fica sempre algo a desejar. Ninguém realiza tudo o que se propõe. Porém, na ordem do ser, trata-se de um homem trabalhador, honesto, corajoso, educado, humilde, acolhedor e capaz de enfrentar com transparência e coragem as questões que aparecem.

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