Rejeição social | Nelson Itaberá

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Nélson Itaberá Gonçalves, compositor, jornalista e autor do livro Literatura cantada

A experiência de escrever o livro Literatura cantada, lançado em recente show teatralizado no palco do Municipal, em Bauru, aguçou a necessidade de pesquisar sobre a identidade cultural brasileira. E eis que os caminhos por outros livros e entrevistas levaram a um eixo comum: a estreita relação entre rejeição social e a profusão sincrética que molda nosso léxico cultural.

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E a trupe de Tomé de Souza nos ajuda a refletir um pouco sobre essa temática lá em 1549, quando o português que veio a ser o primeiro governador geral da Corte desembarcou pertinho de Santa Cruz de Cabrália, na Bahia, com seus 1.400 patrícios (sendo só 6 mulheres), a maioria renegados para iniciar o povoamento da colônia brasilis.

Nossa origem não tem filho de mãe portuguesa com índio. O Brasil do princípio gerou os párias, filhos da primeira leva de gente que aqui habitou depois dos índios. Rejeitados pela Corte, os párias sobreviveram junto às mães indígenas.

Bem mais tarde, o episódio de rejeição social se repete com os cafuzos, filhos de negros com índias. E, nesta fase, em larga escala. As primeiras vilas também surgiram da “saída” casuística  encontrada pelos fazendeiros: cada um cedia um teco de terra, entre suas divisas, e os excluídos iam se ajeitando por lá. O carreiro rompeu a endogenia com seu dueto natural embalando o flerte. Os grupamentos na origem da Terra Brasilis eram 20, 30 quilômetros de distância um do outro, conforme pesquisou bem mais a fundo o sociólogo Romildo Sant´anna e outros.

E, para encurtar a história, eis nessa relação de ajustes sociais primitivos da fase colonial a possibilidade, ainda que paradoxal, de aproximar e “misturar”, literalmente a sensibilidade indígena com o meio, sobretudo a sonoridade da natureza, com o gingado afro e suas múltiplas faces folclóricas.

Ainda hoje, na sociologia do País, a rejeição social serve de aproximação para a reprodução do sincretismo cultural desconhecido dos brancos que vivem ‘ilhados’ nos condomínios. Mas, até os anos 50 do séculos passado, não havia ‘plim plim’ na telinha para alcançar barracos com sua indústria de massa. E o Brasil se fez e faz multicultural pelo traço da exclusão social. Esta é nossa Literatura cantada escrita em prosa e verso.

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