O aspecto positivo é que, diferentemente de outras vegetações nativas, o Cerrado tem alta capacidade de regeneração
Por Tisa Moraes
Com mais de 60 hectares de Cerrado devastados em dois dias de incêndio, a reserva ambiental do Jardim Botânico levará mais de dez anos para se recuperar aos patamares anteriores à destruição. Embora não seja possível estabelecer prazos precisos, este período mínimo é estimado com base no histórico da própria área.
Segundo o diretor do Botânico, Luiz Carlos de Almeida Neto, aquela região de mata permaneceu degradada até 2008, em virtude da invasão de posseiros. Com a reintegração de posse naquele ano, o processo de regeneração natural se deu, com excelentes resultados, até 2019. “Agora, vamos acompanhar e avaliar como será a resiliência desta vegetação para conseguir se recuperar”.
Como a área devastada pelo incêndio é bastante grande – o equivalente a mais de 60 campos de futebol, especialistas alertam que houve “quebra do sistema ecológico” da reserva. O aspecto positivo, contudo, é que, diferentemente de outras vegetações nativas, como a Mata Atlântica, o Cerrado tem alta capacidade de regeneração.
“É um tipo de vegetação que evoluiu em regiões onde o fogo ocorria com certa frequência, então, as árvores tem raízes mais profundas, que conseguem brotar mesmo diante desta condição adversa. Com isso, aos poucos, as espécies animais vão retornar”, comenta o professor de ecologia da Unesp de Bauru, Osmar Cavassan, especialista em Cerrado.
A estimativa é de que a área destruída possuía aproximadamente 300 espécies diferentes de árvores superiores, um número incontável de mamíferos, aves e répteis, além de grande quantidade de micro-organismos. Durante a exploração do local afetado, técnicos já haviam encontrado, até o início da tarde desta segunda (7), ao menos três cobras, um sagui e um roedor (ainda não identificado) mortos pela queimada.
“Não temos noção da quantidade de ninhos de aves perdidos, já que eles são consumidos completamente pelo fogo. Com certeza, são os animais mais afetados”, acrescenta Neto.
DESEQUILÍBRIO
Ex-diretor do Zoológico de Bauru, o zootecnista Luiz Pires, avalia que a perda de uma nova geração de aves pode ter sido significativa, já que este período do ano é época de reprodução dos pássaros – são estimadas cerca de 200 espécies diferentes. Ele acredita, ainda, que mais animais mortos serão encontrados durante a varredura, já que mamíferos como saguis e ouriços tendem a buscar refúgio no alto das árvores quando se sentem ameaçados.
“Outro ponto é que grande parte dos mamíferos é territorialista. Os que foram afugentados estão, agora, vagando em outros locais, como a mata do Instituto Lauro de Souza Lima e da Unesp, e terão de disputar novas áreas com animais que já têm seus territórios definidos. É um desequilíbrio muito grande não só para o ecossistema da reserva, mas para todo o entorno”, detalha.
O incêndio também teve repercussão para as pessoas. Além da grande quantidade de fumaça, no sábado (5), dia do incêndio de maior proporção, moradores relataram a invasão de abelhas em residências de um bairro localizado em região próxima ao Botânico.
O levantamento dos prejuízos causados pelo incêndio na reserva do Jardim Botânico segue ao menos até esta sexta-feira, segundo informação do diretor do Jardim Botânico, Luiz Carlos de Almeida Neto. O trabalho é realizado por uma equipe de três biólogos do Botânico, com apoio de outros seis servidores e um drone.
O que se sabe até o momento é que o fogo consumiu ao menos 18% dos 321 hectares que integram o Botânico. A área de visitação não foi atingida e o atendimento ao público ocorre normalmente.
De acordo com Almeida Neto, o diagnóstico técnico ajudará a balizar as ações que precisarão ser tomadas para garantir a regeneração da reserva ambiental, inclusive com plantio de árvores, se necessário. “Outra possível medida é o controle de gramíneas invasoras, para permitir que a vegetação nativa volte a ocupar esta área”, acrescenta.
Estas intervenções, contudo, só serão eventualmente adotadas dentro de alguns meses, quando houver condições de avaliar o início do processo de regeneração natural da reserva. O diretor do Botânico diz, inclusive, que buscará estabelecer parceria com a Unesp para a realização de pesquisa sobre os impactos do incêndio na reserva, já alvo de estudos anteriores elaborados pela instituição de ensino.
Investigação e mobilização
A Polícia Civil já iniciou as investigações para apurar se o incêndio foi criminoso. Até o momento, o que se sabe é que o fogo, no sábado (5), partiu das margens da rodovia Comandante João Ribeiro de Barros (SP-225).
“Ainda temos poucas informações. Precisamos solicitar perícia, ouvir pessoas para saber se foi algo intencional e até se tem alguma relação com o incêndio do Vale do Igapó. Por isso, ainda não instauramos inquérito policial”, adianta o titular da Delegacia de Crimes Ambientais, Dinair José da Silva.
Segundo o tenente Roberto de Almeida Lourenço, comandante do Pelotão de Bombeiros de Bauru, dez homens em cinco viaturas foram mobilizados para combater o incêndio no Botânico, no sábado. Nos dois dias de incêndio somados, a corporação trabalhou por 19 horas para controlar as chamas.
Também apoiaram a operação a Defesa Civil, o DAE, as secretarias municipais do Meio Ambiente e de Obras, funcionários das brigadas de incêndio do Jardim Botânico, do Zoológico e de empresas próximas, além da Defesa Civil de Pederneiras.