Meu pé de jabuticaba

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A eleição para escolha do próximo presidente do Brasil, dá margem a digressões literárias para os jornalistas estrangeiros. São observações à margem, dignas de um Gabriel García Márquez, aquele que melhor metaforizou as repúblicas bananeiras. O correspondente do jornal inglês The Guardian conta em tom irônico que o ex-presidente Lula, condenado por corrupção, de dentro de uma cela ainda é capaz de transmitir prestígio para colocar “um segundo poste” no segundo turno das eleições.

O primeiro (Dilma) levou o país à maior recessão da sua história. Daí, segue-se uma longa explicação sobre o significado de “poste” em eleição, e sobre as inabilidades de Dilma, “o poste que não deu certo”. Se uma candidatura é respaldada desde a cadeia, a outra procura se sustentar desde o quarto de um hospital. Jair Bolsonaro esforça-se para apressar sua alta médica e ainda tem que dar conta da escalada do adversário Fernando Haddad nas pesquisas de intenção de votos.

O principal adversário no primeiro turno, no entanto, é o seu próprio vice na chapa, o general da reserva Antônio Mourão. Depois de pregar a revisão da Constituição por um grupo de notáveis, sem Assembleia Constituinte, o candidato deixou a entender ser favorável à criação de mais impostos. Ainda criticou o 13º salário chamando-o de “jabuticaba brasileira”. Outro lado folclórico da eleição brasileira: do hospital, o capitão manda o general calar a boca. Temos a mania de dizer que algo é único no Brasil, como forma de buscar salvação para a própria alma. Dilma saudou a mandioca, como “uma das maiores conquistas do Brasil”.

A yuca dá na América Latina inteira. Jabuticaba existe na Bolívia, no Paraguai, na Argentina. Também nos jactamos de ter criado a pizza meio-a-meio e salvar casais e familiares de brigarem pela preferência de sabores. Mentira. Em Nova York também tem. As gratificações de fim de ano, em forma de bônus ou de salário extra, acordado entre empresas e sindicatos, existe em todo o Ocidente, como parte da política do welfare-state. O Estado do Bem-estar social foi desmontado na Inglaterra, por Margareth Thatcher, mas passou à responsabilidade privada.

Além do vice, como adversário, Bolsonaro tem ainda a ex-mulher Ana Cristina, de quem se separou em meio ao estrépito litigioso. Na ocasião do rompimento, a ex acusou-o de ter “comportamento explosivo”, “desmedida agressividade”, de “ocultar patrimônio, furtar joias e dinheiro” de um cofre de aluguel. Hoje, com o nome de Cris Bolsonaro, é candidata à Câmara dos Deputados e defende o ex que, segundo ela, também tem os seus momentos ternura. Essas, as verdadeiras jabuticabas para inglês ver.

Os exotismos da eleição brasileira ainda não vão parar por aí. Eleger Fernando Haddad será o mesmo que absolver Lula e condenar a Lava-Jato. Jair Bolsonaro representa a direita radical populista, o autoritarismo e a intolerância. Sua vitória, seria o triunfo dos canalhas. Acaba de declarar que não aceitará a derrota. Ensaia uma teoria da conspiração: só será derrotado “se houver fraude nas urnas”. O PT também tem suas queixas contra o processo eleitoral. O STF manteve o cancelamento de 3,4 milhões de títulos de eleitores, que, supostamente, seriam de eleitores petistas. Os alijados da eleição faltaram ao cadastramento biométrico. Segundo os petistas, os mais pobres são os que têm dificuldades para fazer o recadastramento. Três milhões e 400 mil votos foi a diferença que separou a vitória de Dilma da derrota de Aécio, nas eleições de 2014. Segundo especialistas, esta eleição será decidida por uma diferença de algo em torno de 3,8% dos votos válidos.

As pesquisas eleitorais, no Brasil, às vezes erram feio. E não é por falta de capacidade técnica ou de seriedade. O eleitor tem a mania do voto útil. Nega a sua opção preferencial, apenas para impedir que o principal antagonista do seu candidato ganhe a eleição, votando ou elegendo um terceiro. Existe também o efeito manada. O eleitor se comporta como um torcedor de futebol e não quer perder o voto. As pesquisas eleitorais incentivam a votar em quem está na frente. A rejeição pode ser a grande inimiga de Bolsonaro no segundo turno. Nas principais cidades do país, ontem, as feministas realizaram manifestações sob a convocação #elenão. Hoje, será a vez de #elesim. Eleição no Brasil é very complicated. Seria uma disputa entre setores ideológicos de esquerda e de direita? Radicalizações do petismo e antipetismo? Ou de feministas e minorias contra sobreviventes do machismo e homofóbicos?

A preocupação dos investidores está focada na ruína orçamentaria e na estagnação econômica em que vive o país. Se já quem for o vitorioso, se não houver um entendimento mínimo entre ganhadores e perdedores, quem vai para o ralo é o Brasil.

O autor é jornalista e articulista do JC.

Fonte: https://m.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=253643?utm_source=Whatsapp&utm_medium=referral&utm_campaign=Share-Whatsapp

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