POR TISA MORAES / JORNAL DA CIDADE
Não há fórmula para prever como ataques em massa irão acontecer, mas estar atento ao comportamento dos jovens, seja no ambiente doméstico ou dentro da escola, é fundamental para evitar possíveis ataques e, mais do que isso, oferecer a devida assistência psicológica a quem possa, por qualquer motivo, cogitar a possibilidade de executar um massacre. Segundo especialistas ouvidos pelo JC, autores de ações violentas como ocorreu nessa quarta-feira (13), em Suzano (SP), dão sinais antecipados de que há algo anormal em suas vidas.
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Jacob Pinheiro Goldberg afirma que assunto precisa ser discutido em todos os segmentos |
Ainda que seja preciso cuidado para não incorrer em generalizações, os estudos sobre ataques desta natureza revelam pontos em comum: os atiradores tinham vínculo com as escolas, eram ou se sentiam vítimas de bullying e premeditaram o crime – oferecendo, justamente, os sinais que não podem ser desprezados por educadores, pais, especialistas na área de saúde mental e autoridades policiais.
Os autores do massacre de ontem na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, os ex-alunos Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25 anos, demonstravam ser fascinados por armas em suas redes sociais, já que frequentemente compartilhavam imagens de artefatos, participavam de grupos ou seguiam perfis sobre o tema.
INTERVENÇÃO DOS PAIS
Em entrevista à imprensa, a mãe de Guilherme afirmou que o filho sofria bullying, o que o fez parar de estudar. “Pesquisas apontam que são pessoas com comportamento mais retraído, que eventualmente tenham sofrido bullying. Evidente que não são todas que irão provocar atos de violência, mas é preciso estar atento aos sinais”, destaca Cláudio Edward dos Reis, vice-coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Relações de Gênero da Unesp em Assis.
Ele destaca que os pais, para garantir a segurança dos filhos em qualquer aspecto, devem monitorar as atividades de crianças e jovens nas redes sociais. Por mais que a discussão sobre invasão de privacidade seja válida, José Manoel Bertolote, professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, defende que os adultos exerçam sua autoridade, controlando até mesmo conteúdos acessados e produzidos pelos filhos em computadores e celulares. “A partir de uns 15 anos, até menos, em alguns casos, os pais tendem a não monitorar mais os filhos, o que eles fazem na Internet, o que é um erro. Quando acontece uma tragédia destas, ao olhar o celular, o computador destes jovens, as pessoas vão encontrar tudo lá. Se um jovem começa a postar coisas sobre arma, se muda o comportamento de uma hora para outra, não dá para ignorar. É preciso intervir logo e procurar ajuda”, afirma.
RECONHECIMENTO
Massacres como o dessa quarta-feira (13), segundo Jacob Pinheiro Goldberg, doutor em psicologia pelo Mackenzie são provocados por jovens que não se sentem pertencentes a seu grupo social e reagem com violência ao não conseguir lidar com seus conflitos. Assim, escolhem vítimas aleatórias, que representam o “inimigo”, para causar o maior dano possível e se tornar, de alguma forma, alguém reconhecido socialmente.
“Vivemos na sociedade do espetáculo e o jovem quer aparecer. Ninguém quer ficar no anonimato, mesmo que pague um preço muito alto”, citou Goldberg, em entrevista ontem à Jovem Pan da Capital. Prova da fantasia criada pelos atiradores para executar o massacre foi o uso de equipamentos como arco e flecha e machado, que são infinitamente menos letais do que as armas de fogo que eles também portavam, além de uma vestimenta própria, associada ao universo da ficção.
Para o psicólogo, o episódio trágico de ontem deixa uma reflexão sobre a qual a sociedade – incluindo a imprensa, especialistas em saúde mental, educadores e poder público – precisa se debruçar para prevenir novas ocorrências da mesma natureza.
“O adolescente que mata e se mata está enviando uma mensagem de incompetência e incapacidade de conviver. Vamos conversar a respeito, discutir sobre isso em todas as escolas do Brasil, verificar quais as causas deste sofrimento tão agudo, vamos entender que estes dois jovens estavam sofrendo. Dizer apenas que são monstros, bandidos, sociopatas é uma maneira de qualificação que acaba implicando em simplificar o que é complexo”, completa.
‘Cultura da violência é uma aberração’
Especialistas ouvidos pelo Jornal da Cidade demonstram preocupação sobre o crescimento do que chamam de “cultura de violência” no País, em que a agressão é legitimada para solucionar problemas. “A ampla apologia que se faz à violência hoje em dia pode ajudar a despertar um desejo oculto que esteja adormecido na pessoa”, analisa Cláudio Edward dos Reis, do Núcleo de Estudos sobre Violência e Relações de Gênero da Unesp em Assis. Para Reis, famílias e escolas precisam intensificar o diálogo entre elas e com os jovens para que consigam lidar com conflitos por meio de uma cultura de paz, em que as dificuldades possam ser superadas na conversa e as diferenças possam conviver harmonicamente. “A cultura da violência é uma aberração e precisa ser combatida. Não adianta acreditar que a violência resolve problemas. Este discurso e medidas concretas, como a flexibilização da posse de armas, só agravam os problemas em um País que já tão violento, com pessoas despreparadas empunhando armas”, afirma. A reflexão é compartilhada pela criminóloga e escritora Ilana Casoy. Ela lembra que os ataques em massa são muito mais frequentes nos Estados Unidos, por exemplo, justamente pela facilidade que os jovens têm de acesso a armas de fogo. “Como fica o acompanhamento da condição psiquiátrica destes indivíduos que compram uma arma de fogo? Creio que o Brasil poderá assistir a um aumento no número de ataques em massa se a liberação de armas chegar a esta população, até porque não temos equipes policiais especializadas para estudar casos desta natureza e fazer o trabalho preventivo junto aos professores, nas escolas, que são palco da grande maioria dos massacres”, observa. Somente nesta década, no Brasil, fatos semelhantes foram registrados em escolas de Goiânia (GO), Medianeira (PR), Janaúba (MG) e Rio de Janeiro (RJ). No caso mais recente de ataque em massa, em dezembro do ano passado, um homem invadiu a Catedral Metropolitana de Campinas (SP) e abriu fogo contra fiéis, matando cinco pessoas e ferindo outras quatro antes de cometer suicídio. |
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Casoy não acha que solução seja instalar itens de segurança |
Especialista em criminologia: ‘Não se trata de por detector nas escolas’
Para a criminóloga e escritora Ilana Casoy, a tragédia de Suzano deve provocar a necessária reflexão de toda a sociedade não apenas para prevenir ataques em massa, mas também para proteger os jovens, que passam por momentos inescapáveis de conflito. “Em muitos momentos da vida, eles podem estar em risco. Acompanhar de perto seus processos comportamentais pode ajudar a prevenir suicídios, não apenas massacres”, aponta.
Ilana salienta que ataques em massa não são comuns no Brasil e entende que a resposta ao episódio dessa quarta-feira (13) não deve se basear em paramentar escolas com equipamentos de segurança, mas sim no aprimoramento da abordagem dos jovens que apresentam alterações de comportamento.
“Não se trata de colocar detector de metais, segurança na porta das escolas. O foco é o trabalho intelectual, com pedagogos, professores, para que reconheçam crianças e adolescentes com problemas de qualquer tipo – seja porque estão sendo abusados, porque estão pensando em suicídio ou em matar – e intervenham antes de chegarmos a um grau de violência tão grave”, analisa.
Fonte: https://www.jcnet.com.br/Geral/2019/03/massacre-de-suzano-chave-para-evitar-tragedias-envolve-observacao-apurada.html