José Milagre: Crimes digitais e perseguição virtual (stalking) aumentam em tempos de coronavírus (COVID-19)

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Toda a forma de amesquinhar uma pessoa, causar-lhe mal-estar psíquico e emocional, por meio digital, pode caracterizar cyberbullying. Em tempos de isolamento social e inevitável aumento de relacionamento digitais, não se pode descartar o aumento de relacionamentos digitais abusivos. Os aplicativos de relacionamento tiveram boom de usuários e acessos com o chamado “Efeito COVID-19”, a necessidade de se conectar e a socialização virtual tem crescido, o que pode tornar pessoas expostas a golpes e crimes digitais. No Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (IDCI), associação de apoio a vitimas de ameaças, golpes e crimes digitais, os reportes cresceram 38% em março em relação ao mês anterior. O grupo é formado por voluntários e pessoas que já foram vítimas de crimes digitais e que dedicam parte do tempo em auxiliar outras vítimas. Mais de 65% dos atendimentos que são feitos voluntariamente às vitimas de crimes cibernéticos são para mulheres.

“Não sabemos precisar se tem relação com a pandemia, mas a procura aumentou. Recebemos muitos casos de mulheres que são hostilizadas por opinião nas redes sociais, apps de relacionamento, perseguidas, outras que são stalkeadas a todo o instante por mensagens, muitas ofensivas e de cunho sexual, sendo que às vezes até se deparam com a exposição intima de alguém que sequer conhecem, quando abrem o aplicativo o conteúdo ofensivo já está lá. Os danos são tremendos para as vitimas destas formas de violência, pois normalmente este ambiente gera pânico, angústia, dor e insegurança” revelou José Antonio Milagre, Mestre e Doutorando pela UNESP, advogado especialista em Crimes Cibernéticos e Diretor do IDCI.

Não existem duvidas que as Leis que criminais se aplicam ao ambiente cibernético.  As manifestações virtuais de violência também são crimes e podem levar os agressores à cadeia. Os autores da violência praticada pela Internet podem responder cível e criminalmente e o Judiciário já tem muitos casos a respeito. “Prestamos apoio técnico e emocional e orientamos a proceder com autoridades para identificar a autoria dos agressores e fazer cessar as ofensas. Lembrando que nas ofensas virtuais, muitas vezes não se sabe quem está do outro lado e este é outro desafio a superar. São comuns vitimas que excluem todas as suas contas, de medo, e quando criam contas e números novos, não se sabe como, o agressor descobre as ofensas recomeçam” ressalta Emily Oliveira, que coordena a área de atendimentos virtuais e educação.

As abordagens abusivas são variadas. Começa com uma mensagem, um like ou “elogio”, posteriormente parte para uma perseguição virtual. Em alguns casos ocorre extorsão sexual ou chantagem sexual, conhecida por “sextortion”. “Alguns criminosos realmente “acreditam” que possuem “alguma relação” com as vítimas, é algo muito estranho” salienta Emily. Em outros casos, a vitima pode se expor sem saber dos interesses do agressor ou mesmo ter invadido seus ativos digitais e ter conteúdo intimo coletado pelo mesmo, momento em que o atacante pode extorquir a vitima para que faça algo em troca da não revelação das fotos ou vídeos.

Ainda, pode-se ocorrer, em casos de ex namorados ou conviventes, o que se denomina “pornografia de revanche“, “pornografia de vingança” ou “revenge porn” e em alguns casos até o já denominado “estupro virtual”. A extorsão virtual está prevista no artigo 158 do Código Penal.

A Justiça de São Paulo já vinha concedendo em alguns casos de medidas protetivas a mulheres vitimas de Stalking, a perseguição contumaz na Internet, com base na Lei Maria da Penha, enquadrado como “violência psicológica”, mesmo quando não havia vínculos entre o agressor e a vitima.

Similarmente aconteceu no Rio Grande do Sul, onde em 2019 o TJ manteve condenação de um estudante de medicina pelos crimes de aquisição, posse ou armazenamento de material pornográfico, aliciamento/assédio para levar criança a se exibir de forma pornográfica, ambos previstos no Estatuto da Criança e Adolescente. Também ocorreu a condenação por ato libidinoso com menor de 14 anos praticado por meio virtual.

Segundo a desembargadora do caso, Fabianne Breton Baisch, Assim, o que se vê é que, o comportamento ilícito do denunciado, tendo a lascívia como seu elemento propulsor, de cunho evidentemente sexual, portanto, chegando à efetiva prática dos atos libidinosos, ainda que sem contato físico com a vítima, foi muito além do mero assédio, encontrando enquadramento típico no crime do estupro de vulnerável, na modalidade atentado violento ao pudor.”

A decisão foi histórica. Recentemente, inclusive, ocorreu a edição das Leis 13.718, de 24 de setembro de 2018, e 13.772, de 19 de dezembro de 2018, que alteraram o Código Penal para introduzir os tipos penais previstos nos artigos 218-C (exposição pornográfica não consentida) e 216-B (registro não autorizado da intimidade sexual). Assim, as principais formas de violência online estão hoje tipificadas. De se destacar que o mero Stalking pode ser enquadrado no art. 65 da Lei de Contravenções Penais.

O artigo 216-B do Código Penal Brasileiro pune até mesmo a realização de montagem fotográfica, de vídeo ou de áudio, ou qualquer outro registro com fim de incluir pessoa em cenas de nudez ou ato sexual:

Art. 216-B.  Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:  (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018)

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.   (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018)

A pena para o artigo 218-C do Código Penal pode chegar a 5 anos de reclusão:

Art. 218-C.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:  (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Aumento de pena   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

  • 1º  A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

As consequências de abusos e agressões virtuais à mulheres são gravíssimas e precisam da atenção do Estado e das Autoridaes. Pânico, dor, tristeza, medo, culpa, vergonha, alguns casos evoluindo para depressão. “Já atendemos pessoas que estavam decididas a dar cabo à própria vida”, destaca Emily Oliveira, que atua também na área educacional do IDCI, ministrando palestras de conscientização para as mulheres e em escolas.

Medidas preventivas

Algumas orientações são muito importantes, segundo os especialistas ouvidos, sendo que preventivamente, é muito importante focar em privacidade, ativar configurações dos aplicativos, não compartilhar senhas com relacionamentos, não responder contatos ou chamadas no WhatsApp sem saber quem é, não se expor com fotos íntimas, ter cuidado em divulgar informações pessoais em redes sociais, não abrir a webcam ou vídeo para desconhecidos e maior seletividade na escolha de amigos em redes e comunicadores. Também é preciso cuidado com conteúdo que se posta (inclusive em status ou stories) que possa se arrepender depois. Quando está na rede qualquer um pode ter salvo e isto pode ser um problema.

“Infelizmente, tem ocorrido muitos casos de uso de fotos, vídeos e números de telefone na criação de perfis fakes para participação de grupos criminosos para incriminar ou para ofender a própria vitima. É muito injusto e é um problema atual que precisa ser pensado”, salienta José Milagre, especialista em Direito Digital e Crimes na Internet.

Como fazer prova?

Reativamente, segundo Milagre, caso tenha sido vítima, pode-se pleitear uma medida protetiva de urgência, prevista no art. 7 da Lei Maria da Penha. Do mesmo modo, é muito importante preservar as provas adequadamente, pois elas são voláteis e podem desaparecer a qualquer momento. “Registre a ocorrência, não tente dialogar ou negociar nada com o ofensor, não apague as conversas, pois elas serão uteis no processo futuro, não excluir o próprio perfil, podendo-se apenas desativar o mesmo, não registrar apenas os prints mas a url (link completo) da ofensa ou do perfil do agressor. Em alguns casos, vale a pena fazer o backup do WhatsApp ou rede social inteira para evitar transtornos. “Em caso de ameaça de publicação de algum vídeo ou conteúdo íntimo é possível adotar uma medida inibitória, inclusive em face do comunicador, para se evitar que o conteúdo intimo seja postado. Aqui, atua-se antes da publicação, mas é preciso agir rapidamente” explica Milagre.

O Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, prevê a guarda de registros de acesso a aplicação e de conexão, permitindo que se busque apurar a autoria dos agressores virtuais, que em muitos casos agem no anonimato.  O mesmo vale para o WhatsApp. Judicialmente, a responsável pelo aplicativo (Facebook) pode ser obrigada fornecer os registros de aplicação do número usado para constrangimento e ameaças, já que este normalmente é um chip frio, comprando em nome de terceiros. Os aplicativos e redes sociais não estão obrigados a guardar informações por mais de 6 (seis) meses. Quanto mais rápido a vitima agir, maiores as chances de excluir conteúdos privados e íntimos da internet, bem como de identificar a autoria dos agressores, para que respondam na forma da Lei.

IDCI ajuda vítimas

Milagre é o idealizador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (IDCI), instituição que oferece apoio técnico e emocional a vítimas de crimes digitais ou violações a dados, orientando e representando vítimas. O projeto, que conta com voluntários e pessoas que já foram vitimadas por crimes virtuais.  O IDCIEduca leva nas escolas educação digital para uso seguro da tecnologia e para prevenção a crimes cibernéticos. Para saber mais acesse no faceboook @idcibrasil.

Sobre o especialista

Por Prof. MSc. José Antonio Milagre, advogado especialista crimes cibernéticos, é perito em informática, Mestre e Doutorando Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional da Vila Prudente. Consultor convidado na CPI de Crimes Cibernéticos – CPICyber do Congresso Nacional. É professor de Pós-Graduação em diversas instituições.”. Autor pela Editora Saraiva em co-autoria com o Professor Damásio de Jesus, dos livros e “Marco Civil da Internet: Comentários à Lei 12.965/2014” e “Manual de Crimes Informáticos”. É colunista da Rádio justiça – Supremo Tribunal Federal (STF) Curriculo: http://lattes.cnpq.br/0103047320098610 É Data Protection Officer Certified by EXIN. Fundador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet – IDCI. Site: www.josemilagre.com.br

Assessoria: Emily Lucila. Emily.oliveira@josemilagre.com.br

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