Número elevado de casos prescritos aumentam sensação de impunidade no Brasil
Quase 950 ações penais de tribunais superiores prescreveram num intervalo de dois anos. Segundo números de 2017 analisados pelo gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, 830 processos que tramitaram no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram arquivados por prescrição em dois anos. No Supremo, foram 116 casos.
Os números lançam luz sobre a sensação de impunidade com a lentidão da Justiça em condenar réus, um problema que pode ser agravado depois que o STF decidiu que a execução da pena, como prisão, deve ocorrer depois do esgotamento de todos os recursos.
Entre os políticos que tiveram casos prescritos estão o ex-presidente José Sarney (MDB), o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), os senadores Fernando Collor (PROS-AL), José Serra (PSDB-SP) e Jader Barbalho (MDB-PA) e o ex-ministro Eliseu Padilha (MDB-RS).
“Num intervalo de dois anos, quase mil casos prescreveram, depois de haverem movimentado por muitos anos o sistema de Justiça. Não é preciso ser muito sagaz para constatar que os grandes beneficiários da prescrição são aqueles que têm dinheiro para manipular o sistema com recursos procrastinatórios sem fim”, disse Barroso, ao votar a favor da prisão após condenação em segunda instância. Para o ministro, sem a execução antecipada da pena, o sistema “induz” à prescrição.
A medida era considerada um dos pilares da Operação Lava Jato. Por 6 a 5, o Supremo reverteu, no dia 7, o entendimento e mudou a jurisprudência que até então permitia a execução antecipada de pena, o que abriu caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB).
O Código Penal prevê os prazos para a prescrição dos casos, dependendo do tamanho da pena do condenado – varia de 4 anos (quando o máximo da pena não excede dois anos) a 20 anos, quando a pena é superior a 12 anos. “Quanto mais grave o crime, mais tempo o Estado tem para punir”, afirmou a professora de Direito Penal da FGV São Paulo Raquel Scalcon. Para Raquel, é imprevisível antecipar os efeitos do julgamento do Supremo sobre a tramitação de casos na Justiça.
O prazo da prescrição é reduzido à metade quando o réu passa dos 70 anos na data da sentença. Em agosto deste ano, o relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, arquivou uma denúncia apresentada contra Collor por peculato (desvio de recursos públicos). A Procuradoria-Geral da República acusou Collor de atuar para que a BR Distribuidora firmasse contratos com a empresa Laginha Agro Industrial, de propriedade do também alagoano João Lyra, com quem, segundo a acusação, o senador mantém relações de amizade. Em 12 de agosto, Collor completou 70 anos, e o tempo de prescrição caiu pela metade, o que acabou beneficiando o ex-presidente e hoje senador, que não pode mais ser punido.
Em outro caso emblemático, a Primeira Turma do STF arquivou em 2015 uma ação penal movida contra o senador Jader Barbalho. O parlamentar foi acusado por peculato em razão da desapropriação de terras promovida em 1988, na época em que ocupava o cargo de ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário no governo Sarney. “É uma situação jurídica em que salta aos olhos a prescrição da pretensão punitiva”, disse, na época, o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello.
Antes de o Supremo derrubar a prisão após condenação em segunda instância, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, encaminhou à Câmara e ao Senado uma sugestão para alterar o Código Penal e evitar a prescrição de casos que chegam ao STJ e ao STF. A proposta ainda depende de aprovação dos parlamentares para entrar em vigor.
“Não acho que essa seja a solução. Mais interrupções na contagem da prescrição podem acabar tendo o efeito reverso, negativo, de permitir mais morosidade da Justiça”, avaliou Raquel.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, por sua vez, pediu ao Supremo preferência de julgamento em recurso que trata do início da contagem do prazo para a prescrição. O Ministério Público defende que a prescrição seja contada apenas depois do esgotamento de todos os recursos para ambas as partes do processo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.