Há 20 anos, juiz lida com desamor

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Vinte Anos de Magistratura Ubirajara Maintinguer

POR JORNAL DA CIDADE
CINTHIA MILANEZ

Juiz desde 31 de março de 1994, Ubirajara Maintinguer completou 20 anos de magistratura só em Bauru, no final de 2018. Em junho deste ano, também fará duas décadas à frente da Vara da Infância e Juventude no município, atribuição que o faz lidar com o desamor constantemente. “Não sou juiz da Família; na minha área, ninguém quer a criança”, justifica.

Ainda de acordo com o magistrado, que já atuou em Jaú, Ipaussu e Rancharia, a oportunidade de promover alguma mudança social, principalmente, nas áreas de saúde, educação, segurança e convivência familiar, o fez seguir tal caminho. Aliás, com o passar o tempo, muita coisa melhorou na área.

Ainda assim, o trajeto é marcado por situações de desalento, afinal, o magistrado tem contato com pessoas em situação irregular, ou seja, que têm os direitos fundamentais violados ou estão fora do convívio familiar. “É bastante comum o pessoal questionar o fato de eu não ser casado e não ter filhos. As minhas crianças não têm pais e, se tiverem, fizeram algo muito ruim a elas”, acrescenta.

Ubirajara também explica a diferença entre juiz da Família e o da Infância e Juventude. “Eu não discuto se a criança vai viajar com o pai ou com a mãe nas férias; e se vai estudar neste ou em outro colégio. Na minha área, ninguém quer a criança. Uma coisa é ser juiz da Infância. Outra coisa é ser juiz da Família”, revela.

A rotina pesada afeta até o sono do magistrado, que já chegou a trabalhar 12 horas por dia, inclusive, aos finais de semana e feriados. É com pesar que o juiz informa que boa parte dos casos apreciados por ele envolve violência sexual contra crianças.

Segundo Ubirajara, geralmente, a família vem de outro estado, em fuga, porque o abuso é recorrente. “Ao chegar a Bauru ou região, o pai não coloca o filho na escola e não permite que faça amizade com outras crianças. Nos resta prendê-lo e ajudar a mãe, que costuma ser conivente”, descreve.

O magistrado confessa que a situação é desgastante, porque, dificilmente, a família consegue se reestruturar, mesmo cercada de toda a rede de proteção – Cras, Creas, Conselho Tutelar, Caps, organizações civis, juiz, promotor, defensor público, advogado etc.

DE LÁ PARA CÁ…

… muita coisa mudou. Quando chegou a Bauru, o juiz constatou que havia apenas um abrigo, a Casa da Criança, administrada por Sebastião Paiva. O local atendia 150 crianças do município e região.

O tempo passou e a demanda das outras cidades não podia mais ser atendida por Bauru, salvo em situação de emergência. Tal alteração fez com que cada município criasse o próprio abrigo e, assim, aproximasse a criança da família. Em Bauru, os serviços de acolhimento foram desmembrados. Hoje, existem oito abrigos.

Além disso, surgiu, também, a chamada família acolhedora. Conforme o JC já noticiou, o programa cadastra famílias para recebê-las, provisoriamente, em casa, onde ficam até voltar para a própria família ou ser adotadas. Atualmente, existem políticas para atender abrigados acima de 7 anos, de difícil colocação, como o apadrinhamento afetivo, o apadrinhamento financeiro e o “Adote um boa-noite”.

Se, mesmo assim, a criança não for adotada, permanece no abrigo até completar 18 anos. Como o jovem passou por profissionalização e, muitas vezes, já está empregado, recebe o aluguel social ou pode ficar na Casa de Passagem até se estruturar. Há, ainda, a possibilidade de inseri-lo no Minha Casa Minha Vida (MCMV), embora o programa não destine imóveis a este público, especificamente.

Logo, Ubirajara avalia de forma positiva a maioria das mudanças. Contudo, critica a ausência da segmentação, outrora comum nos serviços de acolhimento. “Antes, o abrigo era dividido por faixa etária. Hoje, dá preferência ao grupo familiar”, frisa.

O magistrado teme pela segurança das crianças, que convivem com adolescentes, normalmente, já iniciados na vida sexual. “Um pode molestar o outro, começam a surgir namoros, enfim, não sou favorável. É um risco”, argumenta.

E OS INFRATORES?

No passado, os infratores condenados à medida de internação provisória e, depois, definitiva eram colocados nas celas de uma Cadeia Pública, situada atrás do Instituto Médico Legal (IML), em Bauru. O prédio, inclusive, foi demolido.

De acordo com Ubirajara, cada cela abrigava de seis a oito adolescentes, que, geralmente, cumpriam toda a medida por lá, aguardando vaga em São Paulo. Isso porque, na década de 90, a extinta Febem – hoje, Fundação Casa – era centralizada. Com a descentralização da instituição, o município recebeu uma unidade.

Os infratores, então, passaram a cumprir as medidas em condições mais favoráveis e dignas, com escola, profissionalização, arte, cultura, esporte, higiene e, sobretudo, com o acompanhamento da família. “Logo, a recuperação do infrator é bem maior”, observa o juiz.

Além disso, os atos infracionais de outrora eram furto, roubo de celular e tráfico de drogas. Agora, o tráfico está presente em 90% dos casos.

“É algo atrativo, afinal, há déficit de vagas em creches, evasão escolar, falta de programas de profissionalização e desemprego. O tráfico dá retorno rápido, mas traz consequências”, complementa.

Para o magistrado, o sistema melhorou muito, mas ainda peca em alguns pontos.

É necessário, por exemplo, atender o adolescente o mais rápido possível, de preferência, no mesmo dia. E mais: depois que o jovem cumprir a medida, a rede deveria cercá-lo de todas as formas possíveis, dando continuidade ao serviço da Fundação Casa e evitando a reincidência.

Vaga em creche é demanda antiga e ao mesmo tempo muito atual

Ha 20 anos na Vara da Infância e Juventude, em Bauru, o juiz Ubirajara Maintinguer acompanhou muitas mudanças. Entretanto, a falta de vagas em creches é uma demanda antiga e, ao mesmo tempo, atual. Segundo o magistrado, toda vez que vem uma crise econômica, o pai que pagava escola para o filho o coloca na creche municipal, cujo serviço é exemplar. “Fora o fato de nascerem de 10 a 12 crianças por dia só na Maternidade Santa Isabel, em Bauru. Desta forma, sempre haverá demanda”, explica.

Além da educação, Ubirajara aprecia situações voltadas à saúde, como pedidos de medicamentos, vagas em hospitais e procedimentos médicos.

Por outro lado, ele acredita que ocorrências do tipo tenham caído drasticamente. “O Estado faz um levantamento de todas as ações e compra, via licitação, os itens mais comuns. O poder público, portanto, armazena os produtos, que, por conta da disputa de preços, são barateados. Depois, repassa ao usuário, que não precisa acionar a Justiça”, justifica. Hoje, o juiz também atende muitos casos de famílias numerosas, com até dez filhos, que tenham múltiplas demandas, como vacinação atrasada, solicitação de medicamentos de alto custo, pedidos de vagas em creches etc.

https://m.jcnet.com.br/Geral/2019/03/ha-20-anos-juiz-lida-com-desamor.html

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