Vendas da bebida cresceram 7,6% em 2021 e volume comercializado em 2022 deve bater novo recorde, aponta Euromonitor. Consumo de ‘vingança’ nas ruas, persistência do hábito de beber dentro de casa e ano de Copa devem compensar impactos de corrosão da renda e de menor frequência nos bares.
Após mais de dois anos de mesas vazias, o bar do Bigode, em Botafogo, Zona Sul do Rio, voltou a ter movimento no happy hour. Ainda assim, o faturamento não chega nem à metade do que era antes da pandemia.
“Voltou a ter movimento, graças a Deus. Mas, [os clientes] estão frequentando menos e bebem bem menos que antes também”, conta Irenildo Queiroz, conhecido como Bigode.
Bigode é um dos cinco empreendedores que o g1 acompanhou, ao longo de um ano, para saber como estava sendo a luta pela sobrevivência dos negócios em meio à crise provocada pela pandemia do coronavírus. Seis rodadas de reportagens compõem a série. Na primeira, em abril de 2020, Bigode disse que faria de tudo para não demitir seus funcionários. Já na última, em março de 2021, ele disse estar arrependido por tentar manter seu bar aberto.
Ainda que o movimento nos bares e restaurantes continue longe do padrão pré-Covid, o consumo de cerveja no país continua crescendo na pandemia — e deve registrar em 2022 um novo recorde de volume de vendas, mesmo com a inflação nas alturas, mostram números do setor.
Copo de cerveja em bar em Botafogo, na Zona Sul do Rio. — Foto: Daniel Silveira/G1
Levantamento inédito da Euromonitor, antecipado para o g1, mostra que o volume de cerveja comercializado no Brasil cresceu 7,6% em 2021, superando o avanço de 5,3% registrado em 2020 e atingindo o recorde de 14,3 bilhões de litros. Até então, o melhor resultado tinha sido o de 2014, ano que o Brasil sediou a Copa do Mundo.
Entre os fatores que explicam o crescimento das vendas de cerveja, mesmo com um cenário econômico adverso, estão:
- a persistência do hábito cultural de beber cerveja no país, inclusive dentro de casa; o Brasil é o terceiro maior mercado de cervejas, atrás somente da China e Estados Unidos
- à volta do consumo fora de casa, após a população ter ficado isolada em casa em razão da pandemia
- preços ainda relativamente acessíveis para a maior parte da população e subindo menos que a inflação oficial
- grande número de lançamentos pelos fabricantes e crescimento de dois dígitos desde 2020 nas categorias premium e de cerveja sem álcool ou de baixa caloria
“Como as pessoas ficaram isoladas em casa por mais de um ano, começaram a sair mais para ‘se vingar’ da Covid. As pessoas quererem compensar o tempo perdido e se reconectar com o amigos e com os colegas de trabalho”, afirma Rodrigo de Mattos, analista de pesquisa da Euromonitor. “A cerveja ainda é um produto visto como de indulgência, um item de segunda necessidade básica e uma opção barata e viável de relaxamento”.
Outro levantamento da consultoria Kantar mostra que o total de unidades vendidas fora de casa saltou 26,8% no 1º trimestre deste ano, na comparação com os 3 primeiros meses do ano passado, enquanto que dentro de casa recuou de 3,4%.
“Comparado a 2020, vemos um aumento de 3,5 milhões de pessoas novas consumindo cerveja [fora de casa]. Esse aumento de numero de compradores compensa a queda da frequência”, afirma Hudson Romano, gerente sênior da Kantar.
Ou seja, mais brasileiros estão bebendo cerveja fora de casa, mas em doses ou frequência ainda abaixo do padrão pré-pandemia.
“As empresas estão meio destrambelhadas ainda. Tem semanas que os funcionários trabalham dois dias, terça e quinta, noutras vêm segunda, quarta e sexta. Então, tem dia que saio daqui 1h da manhã, mas tem dia que as 21h eu já estou em casa”, afirma o dono do bar de Botafogo.
Irenildo Queiroz, o Bigode, dono de bar em Botafogo, no Rio de Janeiro — Foto: Daniel Silveira/G1
Dados do IBGE mostram que o preço da cerveja subiu 9,38% em 12 meses, abaixo da inflação oficial do país, que acumula alta de 11,73%. Fora de casa, a alta bem menor, de 5,22% em 12 meses, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA).
Ainda que a inflação ainda não esteja fazendo o brasileiro beber menos no total, ela tem obrigado o consumidor a fazer mais contas na hora de decidir onde e o que beber.
“Quem tomava cinco cervejas sozinho, hoje toma duas, quando muito três. Aquele pessoal que tomava duas, três caixas numa noite, pelo que eu venho acompanhando aqui, está muito longe de voltar a fazer isso”, constata Bigode.
A Euromonitor estima que o ritmo de crescimento do consumo dentro de casa voltará a ser maior que o das vendas em bares e restaurantes no fechamento do ano. “Quando o consumidor vê uma cerveja com preço duas vezes mais caro do que ele encontraria no mercado, ele acaba mantendo a demanda por esse produto no consumo off-trade [dentro de casa]”, diz Mattos.
Já a Kantar aponta também para o avanço da concorrência de outros canais no consumo fora de casa. “Um dos canais que tem crescido muito é o ambulante, que vende um produto mais barato para a grande massa”, afirma Romano.
A expectativa é que a Copa do Mundo de 2022, que será realizada entre novembro e dezembro dessa vez, também ajude a alavancar o consumo de cerveja, inclusive nas ruas.
“Vamos ter dois grandes eventos acontecendo simultaneamente: o verão e Copa do Mundo, que devem dar uma força excepcional para a categoria de cervejas”, destaca Mattos.
Além de estar vendendo mais, as fabricantes de cerveja têm conseguido elevar o faturamento com o avanço do consumo e da participação de mercado das cervejas posicionadas com preços mais caros, as chamadas premium.
Em 2021, as cervejas da categoria Domestic Premium Lager – que custam acima de R$ 10 o litro – tiveram um crescimento de 17% no volume de vendas e as sem álcool saltaram 43,9%. Com a inflação, porém, a expectativa é de que o ritmo de crescimento desacelere neste ano.
“O consumidor diminuiu a frequência que ele compra cerveja premium para consumir cerveja mais barata, mas ele não para de consumir a premium”, diz Romano.
A Euromonitor projeta um ganho real de 11% na receita do setor em 2022. Ou seja, um crescimento superior do que o do volume de litros vendidos.
Do lado do bares e restaurantes, porém, a recuperação segue lenta. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 73% dos empresários do setor disseram ter registrado em abril um desempenho melhor do que o faturamento de abril de 2021, mas 28% dos estabelecimentos ainda amargaram prejuízo. Além disso, 78% dizem não estar conseguindo reajustar os preços em linha com a inflação, o que diminui a margem de lucro.
“A cerveja está um absurdo, cara. Todo dia tem uma história. A distribuidora, no mês passado, deu uma condição legal pra gente, de desconto. Mas, chegou agora em junho, eu não dei conta de comprar de novo porque o preço foi lá para cima. Fica impossível não repassar esse aumento para o meu cliente”, reclama Bigode.
Mesmo com a inflação corroendo a renda dos brasileiros, a avaliação é que a cerveja tende a ser colocada no fim da lista na hora de escolher o que cortar. Ao menos em termos de volume. “Tem a persistência do hábito e um consumo, eu diria, quase cultural da cerveja no Brasil. Então, a cerveja entra como um produto de primeira necessidade, mas após pagar a cesta básica”, diz Mattos.
Marcas de cerveja mais consumidas no Brasil
- Brahma
- Skol
- Antarctica
- Itaipava
- Nova Schin
Fonte: Euromonitor International, considerando o volume total de consumo em 2021
Marcas premium mais consumidas no Brasil
- Brahma (Brahma Extra, Malzbier e outras)
- Bohemia
- Heineken
- Budweiser
Fonte: Euromonitor International, considerando o volume total de consumo em 2021 na categoria Domestic Premium Lager, que reúne marcas com preços mais caros, acima de R$ 10 o litro