Imunizante está na fase três de testes na Índia e depende de aprovação da Anvisa para uso no Brasil. Agência não vê impedimento no pedido da rede privada. Cenário mais otimista prevê disponibilizar vacina na rede particular brasileira em março.
A Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) informou neste domingo (3) que negocia com o laboratório indiano Bharat Biotech a compra de cinco milhões de doses de uma vacina contra a Covid-19.
O imunizante, chamado de Covaxin, teve o seu uso emergencial na Índia aprovado neste domingo pelas autoridades daquele país e ainda depende da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser usado no Brasil.
A vacina está na fase três de testes na Índia, etapa em que a eficácia é verificada. Os primeiros estudos clínicos mostraram que o imunizante não gera efeitos colaterais graves e produz anticorpos para a Covid-19. De acordo com a agência Reuters, o país aprovou o uso emergencial da vacina em meio a criticas sobre a falta de informações sobre a eficácia do imunizante.
Segundo o presidente da ABCVAC, Geraldo Barbosa, a expectativa é a de que o resultado da terceira fase dos testes saia ainda neste mês de janeiro. Se isso se confirmar, o laboratório deve entrar em fevereiro com pedido de registro definitivo na Anvisa.
Em um cenário otimista, de acordo com ele, a vacina deve estar disponível nas clínicas particulares do Brasil na segunda quinzena de março.
A Anvisa informou que a autorização de uso emergencial é temporária e prioriza a rede pública. No entanto, disse não haver impedimento de que um laboratório também apresente um pedido emergencial para vender a vacina à rede particular. Porém, essa autorização específica precisa ser pedida.
Nos casos em que o registro definitivo é concedido, o uso fica aprovado no Brasil de modo geral e a autorização vale automaticamente tanto para o setor público quanto o privado.
Para chegar ao pedido de cinco milhões de doses, a associação fez um levantamento junto às clínicas de vacinação do país e cada uma apresentou a sua demanda inicial.
“Como é uma vacina que tem um custo de importação caro e ainda não temos certeza do custo dessa logística, não estamos gerando uma expectativa de volume muito grande, ainda mais porque pretendemos trabalhar continuamente para trazer novas remessas. Então, estamos trabalhando por lotes”, disse.
Ainda não há estimativa de quanto custará a vacina na rede privada. Segundo Barbosa, isso vai depender do valor que sairá do laboratório e do custo para a sua distribuição nas clínicas. A tecnologia de vírus inativo permite que o acondicionamento da vacina seja realizado entre 2° a 8°C.
Embora a intenção do laboratório seja pedir o registro definitivo direto, Barbosa explicou que a associação enviou um ofício à Anvisa questionando sobre a possibilidade de estender o registro emergencial, caso seja concedido, para o setor privado.
“Se conseguirmos essa extensão, vamos poder colaborar com a cobertura vacinal mais rapidamente porque o governo tem que, acertadamente, cumprir aquela lista de prioridades que ele definiu. Porque, no nosso entendimento, a vacina é a mesma, a segurança é a mesma. Seria só uma questão burocrática, mas a gente entende e respeita a legislação”, disse.
Venda não deve prejudicar sistema público
Barbosa explicou que a venda das vacinas para o mercado privado não irá impactar o fornecimento do imunizante para o sistema público já que as doses fazem parte de uma produção adicional do laboratório.
A ABCVAC tem 200 associadas que, segundo a entidade, representam 70% do mercado privado nacional.
“A gente já vem buscando saídas para o mercado privado e surgiu a possibilidade dessa vacina indiana, que é muito promissora. Como o mercado todo já estava comprometido com as demandas do governo – corretamente, porque eu acho que tem que ser prioridade –, a gente tentou uma saída alternativa. E essa indústria indiana se disponibilizou a oferecer parte da produção para o mercado privado brasileiro. Então, é uma venda adicional que não vai interferir no quantitativo que o governo pediu”, afirmou o presidente da entidade.
Ele informou que já foi assinado um memorando de intenção entre a ABCVAC e o laboratório manifestando interesse na compra das vacinas. Nesta segunda-feira (4), representantes da associação embarcam para a Índia com o objetivo de visitar o laboratório, conhecer a capacidade de produção, e dar andamento às tratativas de compra.
“Estamos tomando todos os cuidados para ultrapassar todas as barreiras sanitárias que são obrigatórias. Então, a gente não quer criar uma expectativa muito grande, mas, sim, teremos vacina para o mercado privado de acordo com as perspectivas”, disse.
Ainda segundo o dirigente, os dados sobre a Covaxin estão há cerca de 40 dias em processo de submissão continuada na Anvisa.
Normalmente, todas as informações sobre um imunizante são apresentadas e analisadas em conjunto, no final do processo. No entanto, diante da pandemia da Covid, a Anvisa instituiu um novo processo em que os dados são enviados à medida em que ficam prontos a fim de permitir agilidade na sua análise.
Após a publicação desta reportagem, a Anvisa esclareceu que não há nenhum processo em trâmite na agência relativo à vacina indiana porque o procedimento de submissão contínua é restrito a empresas com ensaio clínico em condução no Brasil.
Como o imunizante não está sendo testado no Brasil, o documento protocolado pelo laboratório indiano “foi equivocado e não resultou em processo de análise pela agência”.
“A Gerência Geral de Medicamentos da Anvisa já entrou em contato com representantes do laboratório no Brasil e se colocou a disposição para realizar uma reunião e prestar esclarecimentos. Ao mesmo tempo, a Assessoria Internacional da Anvisa está em contato com a autoridade sanitária da Índia. Informações preliminares indicam que essa empresa tem um estudo clínico fase 3, em condução na Índia”, disse a Anvisa.
Questionado sobre o andamento das negociações para a aquisição da Covaxin, o Ministério da Saúde disse que fez reuniões em novembro com cinco laboratórios com vacinas em fase avançada de desenvolvimento: Pfizer, Janssen, Bharat Biotech, Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) e Moderna.
Segundo a pasta, no caso da vacina indiana, há apenas um memorando de entendimento, que representa apenas uma intenção de acordo e pode sofrer alterações de cronograma e da quantidade de doses a ser fornecida.
Rastreamento da vacinação na rede privada
O Ministério da Saúde também afirmou na noite deste domingo que, caso a vacinação na rede privada também seja liberada, a aplicação das doses deverá ser registrada na Rede Nacional de Dados de Saúde e na caderneta digital de vacinação para monitoramento.
“Esta rastreabilidade possibilita identificar quem tomou a vacina e em qual data, além de precisar o laboratório e o lote do imunizante, possibilitando a aplicação de uma segunda dose no prazo correto”, disse a pasta.
De acordo com o ministério, ainda que as clínicas privadas também passem a ofertar os imunizantes, a princípio, devem continuar a ser obedecidos os grupos prioritários definidos pelas pasta em parceria com conselhos de saúde.
Leia a íntegra da nota do Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde esclarece que o início do processo de vacinação contra a Covid-19 no país deverá ser realizado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o Plano de Operacionalização da Vacinação já apresentado.
Na eventualidade da integração de clínicas particulares de vacinação ao Plano Nacional, é preciso observar que o registro da aplicação do imunizante precisaria ser feito junto à Rede Nacional de Dados de Saúde e à caderneta digital de vacinação. Esta rastreabilidade possibilita identificar quem tomou a vacina e em qual data, além de precisar o laboratório e o lote do imunizante, possibilitando a aplicação de uma segunda dose no prazo correto.
Além disso, a médio e longo prazo, a rastreabilidade possibilitará identificar os efeitos decorrentes de cada vacina, permitindo a identificação de possíveis efeitos adversos de diferentes vacinas dos variados grupos.
Os grupos prioritários, propostos pelo Ministério da Saúde em parceria com Conass e Conasems, devem, a princípio, ser obedecidos mesmo que haja integração de clínicas particulares de vacinação ao processo de imunização.
Leia a íntegra da nota da Anvisa:
Nota Vacina Indiana Bharat Biotech
O laboratório indiano Bharat Biotech fez um primeiro contato com a Anvisa para iniciar o procedimento de submissão continua, que é quando os dados de estudos de uma vacina são apresentados aos poucos para análise da agência reguladora, conforme a disponibilidade da empresa interessada em desenvolver a vacina. Este procedimento de submissão contínua é restrito a empresas que possuem ensaio clínico em condução aqui no Brasil. Ocorre que esta vacina não está sendo testada no Brasil. O documento protocolado foi equivocado e não resultou em processo de análise pela agência.
A Gerência Geral de Medicamentos da Anvisa já entrou em contato com representantes do laboratório no Brasil e se colocou a disposição para realizar uma reunião e prestar esclarecimentos. Ao mesmo tempo, a Assessoria Internacional da Anvisa está em contato com a autoridade sanitária da Índia. Informações preliminares indicam que essa empresa tem um estudo clínico fase 3, em condução na Índia.
Importante considerar a complexidade de uma vacina e a necessidade do acompanhamento rigoroso, bem com das responsabilidades sanitárias de uma empresa ao disponibilizar um produto biológico para a população brasileira.
Como deve ser um pedido de submissão contínua?
A submissão deve ser realizada pela empresa desenvolvedora da vacina Covid-19, a qual deve possuir autorização de Funcionamento de Empresa (AFE) emitida pela Anvisa com atividade de fabricar ou importar medicamento. A vacina deve possuir um Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM) anuído pela Anvisa e o ensaio clínico fase 3, pelo menos, em andamento e em condução no Brasil.
A requerente deve comprometer-se a concluir o desenvolvimento da vacina, apresentar e discutir os resultados com a Anvisa e solicitar o registro sanitário, desde que atendidos os requerimentos regulatórios, conforme legislação sanitária.