Textos tiveram ‘sinal verde’ na comissão, controlada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. CCJ também aprovou novos crimes de responsabilidade contra ministros do STF.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu aval nesta quarta-feira (9) a duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que limitam os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF).
As propostas (entenda mais abaixo) compõem um pacote, encampado por membros da oposição, de projetos de afronta ao funcionamento do Supremo.
Os textos foram aprovados na CCJ, comissão da Câmara presidida por Caroline de Toni (PL-SC) e sob relatoria de Filipe Barros (PL-PR), líder da oposição. Ambos são aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os parlamentares que votaram a favor das propostas também são aliados do grupo do ex-presidente, como PL, Novo, União Brasil, PP e Republicanos. As manifestações contrárias são da base governista: PT, PV, Solidariedade e PSOL. Veja aqui como votou cada deputado.
🔎Nesta quarta, a CCJ ainda poderá votar mais dois projetos que ampliam o rol de crimes de responsabilidade de ministros do STF.
Sessão da CCJ desta quarta-feira (9) em que foi votada a PEC. — Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Paralisadas na Câmara, as PECs avançaram em agosto deste ano, quando o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu encaminhar os textos à CCJ em meio a decisões da Corte que suspenderam emendas parlamentares.
A CCJ é o primeiro passo para a aprovação de uma PEC na Câmara. A análise das propostas no colegiado avaliou somente a admissibilidade das matérias — sem discutir seus conteúdos.
Com o “sinal verde” do colegiado, os textos seguirão, agora, para análise em comissões especiais. Esses colegiados são criados por decisão do presidente da Câmara, que não tem prazo para isso. Por lá, as propostas poderão ser alvo de eventuais mudanças em seus teores.
Depois da comissão especial, as PECs precisarão ser votadas no plenário da Câmara, onde precisam ser aprovadas por, no mínimo, 308 deputados — em dois turnos de votação.
PEC das decisões monocráticas
Chamada de PEC das decisões monocráticas, a proposta foi aprovada pelo Senado em novembro de 2023. Não registrou avanços na Câmara até agosto deste ano. Nesta quarta, foi aprovada pela CCJ por 39 votos a 18.
O texto proíbe decisões monocráticas — tomadas por um único magistrado — que:
- suspendam a eficácia de leis; ou
- suspendam atos do presidente da República ou dos presidentes da Câmara, do Senado e do Congresso.
⚖️Pela proposta, as decisões individuais que suspendem leis continuarão permitidas em somente uma hipótese: durante o recesso do Judiciário em casos de “grave urgência ou risco de dano irreparável”.
A estátua ‘A Justiça’, em frente ao prédio do STF e ao fundo Prédio do Congresso Nacional. — Foto: TON MOLINA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
A PEC estabelece que, neste caso, caberá ao presidente do tribunal tomar a decisão monocrática. E que, no retorno dos trabalhos, a medida precisará ser referendada pelo plenário do tribunal em até 30 dias.
- Além do STF, as mudanças promovidas pela PEC também serão estendidas a outras instâncias do Judiciário.
O texto propõe alterar, ainda, o rito de análise de três tipos de ações de competência do Supremo Tribunal Federal — as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).
Nesses tipos de ações, de acordo com a PEC, quando houver pedido para antecipar decisões — a chamada liminar, que é tomada para assegurar um direito —, os ministros do Supremo deverão seguir os critérios estabelecidos para decisões monocráticas.
Caso um ministro conceda a liminar, o mérito da medida precisará ser analisado em até seis meses. Depois desse prazo, o caso entrará automaticamente na pauta do plenário do STF e terá prioridade sobre os demais processos.
A proposta também prevê que os critérios das decisões monocráticas também deverão ser seguidos em ações no STF que:
- pedem a suspensão da análise de propostas no Legislativo; ou
- afetem políticas públicas e criem despesas para qualquer Poder.
Especialistas ouvidos pelo g1 entendem que a discussão sobre as decisões monocráticas pode modernizar o funcionamento do STF.
“Os ministros podem decidir de forma individual, monocrática, em situações que demandem urgência. Todavia, o princípio da colegialidade deve ser a regra e não a exceção, de modo que, se o Congresso assim entender, a alteração constitucional de tema específico deve ser respeitada, sob pena de se esvaziar as deliberações do Legislativo. A harmonia entre os poderes deve ser o norte”, afirmou o advogado criminalista Michel Saliba.
O advogado constitucionalista Adib Abdouni disse que a proposta é relevante e aumenta a segurança jurídica.
“A proposta de limitação da concessão de decisões monocráticas em temas sensíveis submetidos ao controle concentrado de constitucionalidade mostra-se relevante, haja vista que a postulação da medida cautelar pleiteada – uma vez submetida ao Plenário ou à Turma, nos processos da sua competência – deságua em desejável segurança jurídica quanto à prestação jurisdicional alusiva a concessão de medidas preventivas e suspensivas necessárias à proteção de quaisquer direitos suscetíveis de grave dano”, afirmou.
Para Henrique Ávila, ex-integrante do CNJ e Professor de Processo Civil, a regra atual já prevê freios, contrapesos e mecanismos de controle.
“Temos de olhar com preocupação qualquer proposta de alteração da lei, e mais ainda da Constituição, no calor de algum momento conturbado ou de uma insatisfação com uma ou outra decisão judicial. Os freios e contrapesos dos Poderes já possuem mecanismos de controle harmônico entre eles. No caso do STF, há recursos cabíveis contra todas as decisões monocráticas, e, em alguns casos, já há previsão de que essas decisões sejam submetidas imediatamente ao plenário, independentemente de recurso”, disse.
Sessão do STF em 2024 — Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
PEC que suspende decisões
Aprovada por 38 votos a 12, a proposta permite que o Congresso Nacional suspenda decisões do STF, caso considere que as medidas avançaram a “função jurisdicional” da Corte ou inovaram no ordenamento jurídico.
O texto estabelece que a derrubada de uma decisão precisará ser aprovada com os votos de dois terços dos membros da Câmara (342) e do Senado (54) — quórum necessário para aprovação de um processo de impeachment.
A suspensão poderá valer por até quatro anos.
A proposta prevê a possibilidade de uma reação do STF. A Corte poderá retomar a validade de decisões suspensas pelos congressistas, desde que nove ministros do STF votem pela manutenção da medida.
Ministros aposentados do Supremo e especialistas em direito constitucional ouvidos pelo g1 avaliam que a PEC é inconstitucional e fere a separação dos Poderes da República.
“Nenhum Poder é detentor do chamado Poder Moderador. Numa República, não há poder Moderador”, afirma o ministro aposentado Ayres Britto.
Pauta ‘anti-STF’
Nesta quarta, a agenda da CCJ da Câmara deverá ser inteiramente concentrada em projetos que têm o Supremo Tribunal Federal como principal alvo. Além das PECs aprovadas, o colegiado também pode discutir dois projetos que ampliam o rol de crimes de responsabilidade para ministros da Corte.
Deputados alinhados ao governo tentam travar a reunião e impedir o avanço da pauta “anti-STF” na CCJ. Eles chegaram a propor um acordo para que somente uma PEC fosse analisada nesta quarta.
Em maioria, deputados de oposição e aliados de partidos de centro rejeitaram as tentativas de acordo. O desejo do grupo é aprovar todos os itens previstos para esta quarta.
A oposição trata os textos como prioritários e tem se mobilizado para garantir o avanço das propostas na Casa. Além desses projetos, o bloco também se movimenta para aprovar uma proposta que perdoa condenações de vândalos envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Crime de responsabilidade
A CCJ também aprovou um projeto de lei que cria cinco novas hipóteses de crime de responsabilidade para ministros do STF, aumentando as possibilidades de justificar um pedido de impeachment de magistrados da Corte.
Atualmente, as hipótese previstas pela lei são:
- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
- proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
- exercer atividade político-partidária;
- ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
- proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.
O projeto aprovado, que ainda deverá passar pelo plenário da Câmara, acrescenta na lei as seguintes hipóteses:
- usurpar, mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, as competências do Poder Legislativo, criando norma geral e abstrata de competência do Congresso Nacional;
- valer-se de suas prerrogativas a fim de beneficiar, indevidamente, a si ou a terceiros;
- divulgar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processos ou procedimentos pendentes de julgamento, seu ou de outro ministro, ressalvada aquela veiculada no exercício de funções jurisdicionais, bem como a transmitida em sede acadêmica, científica ou técnica;
- exigir, solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em razão da função;
- violar, mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, a imunidade material parlamentar prevista na Constituição Federal.
A proposta também cria um prazo de 15 dias para que o presidente do Senado Federal, responsável por analisar pedidos de impeachment de ministros do STF, decida sobre o pedido.
Hoje, esse prazo não existe e é comum que as denúncias sejam engavetadas sem resolução.
A comissão aprovou ainda um outro projeto de lei que cria a possibilidade de se apresentar um recurso ao plenário do Senado caso o presidente da Casa rejeite um pedido de impeachment contra ministro do STF. Hoje, não cabe recurso da decisão.
Possíveis impeachments de ministros do STF são decididos pelo Senado. — Foto: Saulo Cruz/Agência Senado
O relator, deputado Gilson Marques (Novo-SC), afirmou que isso é fundamental para evitar que a decisão sobre admissibilidade ou não do processo de impeachment contra ministros do STF se concentre nas mãos do presidente do Senado.
“O recurso é vital para evitar que uma decisão da Presidência do Senado encerre de forma definitiva a análise de uma denúncia, sem uma avaliação mais ampla e colegiada. Isso impede que decisões potencialmente arbitrárias prejudiquem o devido processamento de um pedido de impeachment, preservando assim a integridade do processo”.
O recurso deverá ser apresentado por um terço dos membros do Senado. Se não for analisado em 30 dias, trancará a pauta até que seja votado.
Embate entre governistas e oposição
Na abertura da reunião desta quarta, houve embate entre parlamentares da base alinhada ao governo e da oposição. Lindbergh Farias (PT-RJ) e Bacelar (PV-BA) fizeram críticas diretas à presidente do colegiado, Caroline de Toni (PL-SC).
Lindbergh disse que a oposição não poderia estar à frente de “uma comissão dessas, porque o interesse nacional não é colocado como prioridade”. Bacelar, classificou De Toni como “autoritária” e responsável pela “pior gestão” da CCJ.
“Há claramente um desvio de finalidade das ações desta comissão. Esses quatro projetos de hoje sobre o Supremo é uma chantagem ao Supremo, é uma ameaça ao Supremo. Isso é uma loucura. Isso não tem interesse nacional. É vergonhoso tentar intimidar o Supremo desse jeito”, disse Lindbergh.
Em resposta à declaração de Lindbergh, a presidente do colegiado, Caroline de Toni (PL-SC), afirmou ter sido “diretamente” atacada e defendeu a continuidade das matérias na pauta da comissão.
“[O deputado Lindbergh] atacou diretamente esta presidência, questionando o rumo que está sendo dado para a comissão. Primeiro, que se for para nós pararmos para discutir questão de queimadas, questão de problemas do Brasil, nós vamos ter que marcar uma audiência pública, chamar a ministra do Meio Ambiente e tudo o mais, ou ministros do Bolsonaro, e o que vai virar esta comissão? Uma sala de debates entre quem está fazendo o que e quem está deixando de fazer?”, questionou a deputada.
“Debater [esses projetos] na CCJ, que têm que passar pelo plenário, que têm que passar por comissão especial, apenas a admissibilidade de propostas, que estão sendo propostas por partidos de centro, não é nem pela direita, esse debate é salutar”, prosseguiu Caroline de Toni.