Em meados de março, as ruas estavam esvaziadas na cidade de São Paulo com o início das medidas de prevenção ao contágio pelo coronavírus. Mas era possível ver alguns estacionamentos lotados. Eram dos grandes atacados e das redes especializadas em produtos para animais de estimação. A preocupação em estocar alimentos – mesmo sem orientação oficial para tal atitude – em igual proporção para humanos e animais domésticos revela por que o segmento cresce de forma tão sustentada. De acordo com levantamento da Euromonitor International, o Brasil se tornou o segundo maior mercado de produtos pet, com 6,4% de participação global, pela primeira vez acima do Reino Unido (6,1%). Perde apenas para os Estados Unidos, que têm assombrosos 50% do mercado.
A crise passa longe – ou é observada com vistas grossas – por quem ama seu bichinho, o que explica os números extraordinários do setor nos últimos anos. O faturamento total do segmento, que inclui indústria e varejo, foi de R$ 35,4 bilhões até o terceiro trimestre de 2019. Um crescimento de 3% sobre o ano anterior inteiro, que registrou R$ 34,4 bilhões, segundo o Instituto Pet Brasil. No PIB, o produto interno bruto do país, isso já se traduz em uma fatia de 0,36%, superior aos segmentos de utilidades domésticas e de automação industrial, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet).
Para entender um pouco sobre como esse mercado se desenvolveu no país, a Forbes conversou com um pioneiro. Ricardo Nassar, de 48 anos, caçula de pais libaneses, sócio diretor da Cobasi, nascido em família de comerciantes. Ele percebeu a demanda pelos produtos pet nos anos 1990 e os incorporou, gradualmente, ao negócio de insumos agropecuários dos Nassar. Em 2013, inaugurou a primeira unidade na capital paulista exclusivamente voltada ao segmento pet.
Hoje, a Cobasi tem um total de 100 lojas em dez estados, cinco delas inauguradas em 2020. O faturamento vem crescendo nos últimos anos, resiliente numa economia de avanço vagaroso: R$ 935 milhões em 2017, R$ 1,1 bilhão em 2018 e R$ 1,3 bilhão no ano passado. E, apesar da crise global gerada pelo coronavírus e a volatilidade do câmbio, Nassar ainda não revisou as metas de crescimento da rede, sempre entre 17% e 20% ao ano. Ele aposta nos investimentos realizados em 2018 e no e-commerce para encarar uma provável mudança na forma de atender o consumidor.
Os produtos da China não são maioria nas lojas da rede – mas o empresário revela que prevê alguma falta no estoque durante o ano. “Os prazos de entrega foram revistos. Por enquanto, temos estoque, mas vamos ter um ponto de sela (baixa) entre a volta do embarque chinês, ou seja, da produção, até a chegada aqui”, explica com a tranquilidade de quem já enfrentou várias crises e planos econômicos e só decolou a partir de 1994, com o Plano Real.
Hoje, Nassar não vê obstáculos para crescer. “A Cobasi é um camaleão. Se for necessário, um futuro com capital aberto é bastante interessante para a perpetuação dela. A gente já está bastante profissionalizado e, a partir de 2020, vai caminhar cada vez mais para um processo bem profissional de um IPO que está muito próximo”.
O assunto IPO (Initial Public Offering, a abertura de capital de uma empresa com ações na bolsa de valores) não é novidade no segmento pet. A segunda maior empresa do setor, a Petz, protocolou, no início do ano, pedido de oferta pública inicial junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Sergio Zimerman, CEO da rede, tem evitado entrevistas em um resguardo que, aparentemente, tem relação com o processo de IPO. Segundo informação divulgada pela empresa, o aporte aguardado dos novos acionistas tem o objetivo de promover a expansão da rede que, em número de unidades, é a maior do Brasil, com 106 lojas em 13 estados.
Em faturamento, a Petz está em segundo lugar no mercado, bem próxima da concorrente. Alcançou R$ 725 milhões em 2017, R$ 920 milhões em 2018 e, no ano passado, R$ 1,1 bilhão. A saúde das finanças da Petz vem da sólida experiência em gestão de Zimerman, lapidada, inclusive, pelo desgosto de ver uma empresa falir, mas ter a coragem de seguir em frente e arriscar novos empreendimentos.
Nos investimentos, o destaque mais recente foi há pouco mais de um ano com o lançamento do Seres, um centro veterinário avançado com atendimento de alta complexidade.
Menino crescido no Brás, bairro comercial do centro de São Paulo, foi incentivado desde cedo a vender pequenas mercadorias em frente à loja do pai. Tomou gosto. Na adolescência, trabalhou como palhaço em festas infantis e logo fez crescer sua própria empresa de animação de eventos. Adulto, montou uma adega para obter preço e estoque que atendesse à demanda das festas e, em seguida, o negócio evoluiu para uma mercearia. Mais uma vez, o empreendimento subiu um degrau e tornou-se uma grande rede de atacado. No entanto, em 1997, a crise da Ásia atingiu em cheio o negócio, e Zimerman sentiu o gosto amargo da bancarrota.
Havia sobrado uma loja de autosserviço de 3 mil metros quadrados na marginal Tietê, uma das principais artérias de São Paulo. Ali nasceria, em 2002, a loja número um da Pet Center Marginal, antigo nome da Petz. Onze anos depois, quando a rede já tinha 27 lojas e faturamento de R$ 200 milhões, o nível de endividamento preocupou o empresário. Ele decidiu, então, descentralizar o comando com a chegada do fundo Warburg Pincus, hoje detentor de 55% da Petz. Zimerman ficou com os outros 45%.
Em 2014, ao trazer a novidade do sistema de franquias para o varejo brasileiro do segmento, a rede norte-americana Petland acertou em cheio num mercado em constante expansão. Hoje, já está em 17 estados com 100 lojas e o faturamento não para de crescer: registrou R$ 95 milhões em 2018 e R$ 115 milhões no ano passado. Em 2020, a meta de atingir R$ 140 milhões não deve ter impacto negativo com a disseminação do coronavírus. Pelo contrário. Houve aumento de 30% nas vendas apenas na primeira semana em que as autoridades recomendaram quarentena à população. O Brasil é o segundo maior mercado mundial da Petland depois dos Estados Unidos e já superou o país de origem da rede em número de unidades.
Pets influenciadores e seus sócios humanos
O gato mais famoso da América Latina é Chico, considerado CEO da Cansei de Ser Gato, empresa com base no comércio eletrônico de acessórios para felinos e que teve faturamento de R$ 1 milhão em 2019. Ele comanda com patas de ferro uma equipe enxuta e dedicada, envolvida no processo que vai desde a divulgação dos produtos onde o próprio Chico é o gato-propaganda, até o controle de qualidade e a entrega para todo o Brasil. Suas humanas de confiança são as sócias Amanda Nori, de 32 anos, e Stéfany Guimarães, de 27, que idealizaram o potencial do felino, em 2013. Por brincadeira, elas postavam fotos do pet com fantasias e textos engraçados em primeira pessoa. Chico cativou um enorme público com suas tiradas na linguagem solta e descontraída dos blogueiros da internet.
“Um dia, a gente tinha colocado uma xuxinha com cabelo em volta da cara dele e pareceu um leãozinho. Escrevemos: ‘cansei de ser gato, virei leão’. Um amigo também trouxe dos Estados Unidos um chifre de unicórnio inflável que ficou uma graça no Chico”, lembra Amanda. A brincadeira evoluiu para uma página no Facebook exclusiva para o gato, sem nenhuma pretensão. “Em uma semana, já tinha 21 mil seguidores”. As tutoras logo deixaram os empregos formais na área de publicidade para dedicação exclusiva ao projeto de dominação mundial felina do Chico.
As demandas para “publis” – postagens pagas de divulgação de marcas e produtos – vieram em quantidade de grandes empresas de setores que variavam do alimentício ao financeiro. Hoje, Chico já tem linha de produção própria de produtos para gatos, centro logístico, livro publicado, “podcat” e ronrona feliz pelos fãs atraídos com seu carisma: 496 mil no Instagram, 1,1 milhão no Facebook, 23 mil no Youtube e 3 mil no Twitter, onde só ingressou neste ano.
Ella e Cris
No quesito simpatia, Ella (nome inspirado na cantora de jazz Ella Fitzgerald; 1917-1996), “sócia” da jornalista Cris Berger, de 47 anos (há 7 anos em São Paulo), nos negócios que envolvem o Guia Pet Friendly, é nota 10 por unanimidade. A começar no prédio de cowork paulistano que permite a presença de animais de estimação, onde a cadelinha atrai olhares, carinhos, afagos e… novos negócios! Ali, Cris inicia o bate-papo com a Forbes com uma constatação: “O pet é o novo filho. Antes o cachorro ficava no quintal. Depois, ele passou para dentro de casa com sua caminha, seu comedouro e até ficava no sofá. Agora, ele sai de casa e vive o lazer de seus tutores”.
O empreendimento começou em 2015 com a chegada de Ella, que nasceu com uma má-formação nas patas dianteiras, mas ainda com a possibilidade de andar. Cris já era especializada na publicação de guias com referências para visitas e passeios dentro e fora do Brasil. O amor foi tão grande que resolveu associar o trabalho ao convívio com Ella. O resultado foram várias edições de guias de lugares de lazer e serviços totalmente adaptados para pessoas junto com seus animais de estimação. As versões impressas esgotavam-se rapidamente. E Cris criou, então, um serviço multiplataforma que inclui blog, e-books, cursos, aplicativo para celular e conta no Instagram. Até agora, já são 400 lugares visitados in loco.
“É minha vida. É meu projeto mais visceral. Eu mudei e ditei comportamento dentro da editoria pet friendly”, confessa Cris, que, este ano, passou a ser colunista semanal de um jornal de grande circulação nacional.
PETS MILIONÁRIOS: agenda lotada e artigos de luxo
Uma gatinha da raça Birman chamada Choupette é um ícone do mundo de luxo em que vivem alguns animais de estimação. Ela era a companheira inseparável do estilista alemão Karl Lagerfeld que, ao morrer em fevereiro do ano passado, deixou à sua pet uma herança equivalente a R$ 465 milhões. Na verdade, Choupette já era uma gata milionária por mérito próprio, com um patrimônio pessoal em R$ 10 milhões só com seu trabalho em publicidade.
Tutores generosos com seus bichinhos não são raros no Brasil, e o mercado pet de luxo é a prova disso. Existem serviços diferenciados, como spa com cromoterapia, acupuntura, reiki, ioga e até natação para cães. Há buffets especializados em festas caninas e, se o pet sentir vontade de um lanche fresquinho, já existe padaria exclusivamente para ele.
Os acessórios de luxo já são conhecidos do grande público, com grifes especializadas – a exemplo da Zampe, da estilista Carol Vassilak. Foi ela quem idealizou as roupas da cadelinha da personagem principal da série “Modo Avião”, do Netflix. Os modelos criados para bichos de diferentes portes são vendidos, principalmente, em lojas de moda para “humanos”, além do comércio online. “Se o bicho faz parte da nossa família, ele também merece um produto de qualidade que dura mais e, consequentemente, também é sustentável”, explica Carol.
*Ilustrações: The Noum Project
Reportagem publicada na edição 76, lançada em abril de 2020
Fonte: https://forbes.com.br/negocios/2020/08/brasil-torna-se-o-segundo-maior-mercado-de-produtos-pet/