Não é preciso ser um produtor experiente como Graham King, cujo currículo abrange filmes de Michael Mann, Martin Scorsese e Clint Eastwood, para saber que Queen, uma das bandas mais bem-sucedidas da história, e seu carismático e talentoso líder Freddie Mercury valiam um filme. Mas como foi longo – 9 anos – e árduo o caminho de “Bohemian Rhapsody” para chegar às telas.
No Brasil – e em Bauru -, o filme estreia hoje. “Primeiro, o problema era escolher qual parte de sua vida contar”, disse King. “Levou muito tempo para chegar a um roteiro que me deixasse satisfeito.” No fim, foram dois escritores, Peter Morgan (indicado para o Oscar por A Rainha e Frost/Nixon) e Anthony McCarten (de A Teoria de Tudo e O Destino de uma Nação). Depois, a escolha das músicas.
A primeira controvérsia aconteceu com Sacha Baron Cohen, cotado para viver Freddie Mercury, embora King negue que seu nome estaria confirmado. Baron Cohen deu uma entrevista dizendo que tinha sido afastado, porque Brian May, um dos integrantes do Queen, estava querendo controlar o longa. “De repente, virou culpa dele”, contou King.
O produtor acabou encontrando seu Freddie Mercury em Rami Malek. “Fiz uma reunião com ele. Dava para sentir que organicamente havia algo de Freddie nele.” King não queria um ator branco no papel – Mercury era de origem pársi e nascido em Zanzibar. A família de Malek vem do Egito. O cineasta Bryan Singer ficou tão impressionado com o vídeo do ator recriando uma rara entrevista dada por Mercury, que ligou na hora para seu agente dizendo que queria que fizesse o filme.
Malek deu o sangue pelo papel: enquanto gravava Mr. Robot em Nova York, voava para Londres nas poucas folgas para fazer aulas de movimento, canto e piano. Sua primeira sequência foram os 20 minutos que reproduzem a histórica apresentação do Queen no Live Aid, em 1985, que abre e fecha o filme. “Queríamos que fosse tão autêntico quanto possível”, disse Malek. “Não dava para improvisar, porque está gravado na memória das pessoas.”
A famosa performance em São Paulo, com Love of My Life, cantada a plenos pulmões pela plateia, serve como introdução e pano de fundo para a cena em que Freddie Mercury revela à sua então noiva, Mary Austin (Lucy Boynton), ser gay. Os dois permaneceram próximos a vida toda.
Duas semanas antes do fim das filmagens, mais um golpe: o diretor Bryan Singer foi demitido pelo estúdio por estar faltando ao set, oficialmente para cuidar da mãe doente. Dexter Fletcher, que anteriormente tinha sido cotado para a direção, rodou o que faltava. Depois de tantos tropeços, é hora de revelar “Bohemian Rhapsody” para o mundo, o que deixa o produtor e seus atores nervosos. “Eu sinto o peso de Brian (May) e Roger (Taylor) me darem o direito de filmar suas vidas. Eles foram muito pacientes. Eles não precisam fazer o filme, têm seu legado garantido. E os dois perseveraram. Espero que tenha valido a pena.”
Nem tudo são flores: críticos questionam erros e dramas desnecessários
Trama “derrapa” ao mostrar relacionamento entre Freddie e Austin |
Quando uma sessão do filme “Bohemian Rhapsody” está quase chegando a duas horas de projeção, até fãs mais fervorosos do Queen podem estar com opiniões divididas sobre a cinebiografia do cantor Freddie Mercury, que tem acertos e erros. A semelhança física com os personagens reais alcançada pelos atores em cena é impressionante, e alguns diálogos engraçados funcionam bem.
Também há cenas inverossímeis, como a criação de clássicos da história do rock de modo simplificado. Mas aí entram os 20 minutos finais e tudo se transforma numa experiência fantástica. Nunca o cinema conseguiu reproduzir com atores a performance de uma banda no palco com tanta fidelidade e tanta emoção.
O diretor Bryan Singer acerta em cheio na proposta de causar impacto nos fãs da banda britânica. Ele poderia apelar para os últimos momentos da vida de Mercury, morto em 24 de novembro de 1991, seis anos depois de se descobrir soropositivo. Mas o cineasta descarta o baixo astral para fazer do filme celebração entusiasmada de um dos maiores grupos da história do rock.
Em poucos minutos, o espectador vê como um Freddie Mercury cheio de confiança se oferece para a vaga de vocalista na Smile, banda então pouco conhecida do guitarrista Brian May e do baterista Roger Taylor. Ao mesmo tempo, ele conhece Mary Austin e se envolve com essa jovem tiete que trabalha como vendedora numa loja de roupas.
As derrapadas da cinebiografia começam aí. Como tem muita coisa para contar, o roteiro resume demais passagens interessantes na trajetória da banda. O relacionamento de Mercury com Mary Austin, intenso na vida real, é açucarado na tela.
O papel dela junto ao cantor foi mudando com o decorrer do tempo. De amiga, passou a namorada. Depois eles se firmaram como um casal e, quando Mercury se sentiu à vontade para experiências homossexuais, ela rompeu o casamento, mas permaneceu a seu lado como confidente e melhor amiga.
No período que pode ser chamado de “anos selvagens” do cantor, o foco do filme é sem aprofundamento. Nada é explícito. Mas dois quesitos transformam “Bohemian Rhapsody” em programa obrigatório – elenco e música. Há uma confusão na ordem de lançamentos de algumas músicas. “We Will Rock You”, original de 1977, aparece sendo criada em estúdio já na década de 1980.
Mas o público vai deixar o cinema em êxtase. “Bohemian Rhapsody”, apesar dos defeitos, emociona demais.