Aos 4 anos e 10 meses, Danilo Wosniak do Amaral fala, canta, lê e até escreve pequenas frases. Mais do que motivo de orgulho, sua alfabetização precoce é uma vitória para sua família. Diagnosticado com surdez profunda no terceiro dia de vida, ele teve seu destino transformado pela USP de Bauru, assim como outras milhares de pessoas.
O tema de redação do Enem 2017 – “formação educacional dos surdos” – levanta a discussão sobre o acesso da população ao tratamento da doença crônica e às políticas públicas oferecidas, inclusive para a educação, a este grupo. Na cidade, o atendimento prestado aos surdos pela USP é referência nacional e vai muito além da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).
Juntos, o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) e a Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), que abriga o curso de fonoaudiologia, atendem, gratuitamente, milhares de pessoas por ano. E a rede é fortalecida por um protocolo que surgiu há poucos anos, onde bebês detectados com alterações no chamado Teste da Orelhinha, feito nas maternidades, são encaminhados aos serviços da USP.
Em tempo: segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada 1 mil pessoas, cinco nascem com algum grau de deficiência auditiva no mundo.
NÚMEROS
Mensalmente, o Centrinho adapta cerca de 400 aparelhos de amplificação sonora individual em pacientes surdos, além de realizar 10 implantes cocleares (ouvido biônico) e outros dois procedimentos para colocação de próteses em pacientes com má formação na orelha, sejam crianças ou adultos. A FOB também atende média de 100 novos pacientes, por mês, em sua clínica que, além de auxiliar nos tratamentos, realiza ponte com escolas para capacitação de professores de surdos.
“Estes serviços de reabilitação e terapia, oferecidos pelo Centrinho e pela FOB, deixam Bauru passos à frente de outras regiões no País”, comenta o médico Luiz Fernando Lourençone, do Centro de Pesquisa da Seção de Implante Coclear e da Divisão de Saúde Auditiva do Centrinho. “Muitas pessoas não desenvolvem essas habilidades, hoje, e recorrem automaticamente à Libras, por falta de acesso à informação e ao serviço de reabilitação”, completa.
Segundo ele, a Libras deve ser vista como uma das últimas alternativas, geralmente quando o paciente não consegue sucesso na comunicação oral com aparelhos e implantes. “A sociedade ainda não está preparada para receber pessoas que não se comunicam por meio da linguagem oral. O Brasil é um País pioneiro na lei que recomenda intérpretes nas salas de aula. Mas o sistema educacional ainda é muito limitado”, reforça Luiz Fernando.
ALÉM DA LIBRAS
Docente da FOB e doutora em distúrbios da comunicação, Regina Tangerino Jacob lembra que existem vários graus de surdez e que, além de políticas que estimulem a Libras, é preciso falar também sobre os surdos que ouvem e sobre a possibilidade de reabilitação. “Quanto mais precoce o diagnóstico e a intervenção clínica, ou seja, quanto menos tempo de privação da escuta no paciente, melhor e mais fácil será a reabilitação”, comenta.
Além de estimular a Libras, o Ministério da Educação (MEC) deveria, segundo ela, estimular também a capacitação de professores para lidar com alunos surdos, além de adaptar as acústicas das escolas. “Não é só rampas que trazem acessibilidade”, pontua.
‘NÃO TEM PREÇO’
Mãe de Danilo, Fabiana Wosniak do Amaral, de 38 anos, encara de forma positiva o tema da redação do Enem e alerta. “Existem surdos que falam, que falam por meio de sinais, que dependem da leitura labial, cada caso é único e com necessidades diferentes e isso precisa ser falado”, cita.
Ela conta que o implante coclear ainda aos 10 meses de vida, aliado às duas horas e meia de fono que Danilo frequenta, de segunda a sexta-feira, na USP, foram essenciais para que ele conseguisse se desenvolver e frequentar o ensino regular. “Não tem preço que pague eu poder gritar o nome dele, ao vê-lo atravessando uma rua, e ele ouvir o meu alerta”, emociona-se Fabiana.
Danilo, no entanto, faz parte de um grupo pequeno de surdos que conseguiram se antecipar à alfabetização inicial no País. “Se não tivéssemos largado tudo e mudado para Bauru, para privilegiar o tratamento, acredito que ele iria começar a falar bem mais tarde. Porque é comum o atraso no desenvolvimento educacional dos surdos. Como ele está um pouco à frente dos coleguinhas será mais fácil entender as coisas”, finaliza Fabiana.
Implante coclear e prótese
Além dos aparelhos de amplificação sonora individual, existem outras duas formas de reabilitação da surdez, porém, para os casos mais severos e profundos. No implante coclear, um aparelho interno é adaptado na cabeça do paciente, com um microfone externo, que capta o som. As ondas sonoras vão para um processador eletrônico e são transformadas em estímulos elétricos, que são enviados para o cérebro, que decodifica som ou vozes. A prótese auditiva possui sistema parecido, porém, é ancorada ao osso e corrige defeitos na orelha média. |
Sistema FM: benefícios na educação
Além de aparelhos auditivos, a reabilitação dos surdos deu um salto nos últimos anos com um estudo que comprovou a efetividade de um sistema para facilitar a escuta dos surdos.
Trata-se do Sistema FM, que permite a capacitação e amplificação individual de frequência em modulação digital de som. Uma lapela é colocada no professor, o que facilita a escuta, dificultando a interferência de ruídos na sala de aula.
Com suas pesquisas, a FOB/USP de Bauru auxiliou o estudo feito pelo MEC sobre o sistema, que se tornou política pública, após portaria publicada em junho de 2013. Atualmente, alunos de 5 a 17 anos, recebem de graça o acessório. E a FOB realiza o acompanhamento tanto dos pacientes e a capacitação dos professores.
No ano que vem, Danilo Wosniak receberá o equipamento. “Ajudará muito, porque ele poderá distinguir melhor os sons”, opina a mãe.
Fonte: jcnet.com.br – https://www.jcnet.com.br/Geral/2017/11/som-de-esperanca-bauru-esta-passos-a-frente-na-reabilitacao-de-pessoas-surdas.html