Revista Atenção

Saresp: aprendizado de alunos da rede pública em Bauru tem atraso de 3 anos

GUARULHOS, SP, 29.03.2016: EDUCAÇÃO-SP - Sala de aula da Escola Estadual Antônio Vieira de Souza, em Guarulhos (SP), considerada a pior escola de ensino médio do Estado de São Paulo, segundo o IDESP. (Foto: Rivaldo Gomes/Folhapress)

Entrevista com Gina Sanchez, Dirigente Regional de Ensino. 14/02/2019

Dados do Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) de 2018 revelaram um cenário preocupante: o aprendizado dos alunos da rede estadual de Bauru tem atraso médio de três anos. O índice de proficiência em matemática dos jovens do 9º ano do ensino fundamental, por exemplo, de 255,2 pontos, era o esperado para estudantes do 6º ano do mesmo ciclo.

Já em língua portuguesa, os 277 pontos alcançados pelos alunos na 3ª série do ensino médio são equivalentes ao parâmetro mínimo estabelecido para o 9º ano do ensino fundamental. Trata-se de uma defasagem que acompanha a tendência do Estado como um todo, conforme o detalhamento apresentado pela Secretaria da Educação, na última terça-feira.

O atual e desgastado modelo de ensino da rede pública, que faz com que muitos jovens não vejam sentido em estar dentro da escola, é apontado por especialistas como uma das principais razões para o desempenho tão aquém do ideal. E é justamente este descompasso que faz com que a situação piore nos últimos anos de ensino, quando os estudantes entram na adolescência sem conseguir vislumbrar um projeto de futuro.

Segundo os dados do Saresp, o nível de aprendizado dos alunos da rede estadual de Bauru deixa de ser considerado adequado a partir do 7º do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. Nestas séries, que receberam classificação de proficiência básica, a constatação é de que os estudantes absorveram apenas conhecimentos mínimos dos conteúdos ensinados.

“Não está bom do jeito que está. A escola está vivendo em um tempo e o jovem, em outro. Serão necessárias mudanças na metodologia das aulas, para que se tornem mais atrativas, e investimento na formação continuada dos professores. Se não fizermos isso, vamos começar a enxugar gelo”, analisa a dirigente regional de ensino, Gina Sanchez.

SÉCULO 19

Trata-se de um grande desafio para o Estado, que enfrenta crise orçamentária, ao mesmo tempo em que precisa implantar profundas mudanças no atual modelo de ensino, ainda preso ao padrão no qual alunos – ‘crias’ das tecnologias digitais que trouxeram drásticas transformações na forma de absorver conhecimento – precisam copiar conteúdos escritos pelo professor com giz em uma lousa.

“É um modelo do século 19, centralizado no professor como sendo o detentor do saber. Mas, com o advento da Internet, a escola precisa mudar. Hoje, as escolas com melhores resultados são as que possuem metodologias inovadoras, participativas, com uso das tecnologias de informação e comunicação”, pontua a vice-diretora da Faculdade de Ciências da Unesp e professora do departamento de Educação, Vera Capellini.

Com o ensino disponível hoje, o jovem, sem conseguir desenvolver suas habilidades e sem acreditar que a escola é um meio para ser bem-sucedido na vida adulta, acaba, inclusive, sendo mais facilmente atraído para experiências com drogas e até com a criminalidade – o que pode afastá-lo definitivamente do ambiente escolar. Gina Sanchez destaca, ainda, que muitos estudantes precisam trabalhar no contraturno para complementar a renda da família, o que o impede de dedicar-se exclusivamente aos estudos e redobra seu esforço para conseguir manter-se na escola.

“O que deveria ser um direito, na verdade, acaba sendo um privilégio para apenas uma parte dos jovens: ter a oportunidade de apenas estudar até concluir o ensino”.

Ensino integral

Um oásis em meio ao deserto da rede estadual de ensino em Bauru são as escolas de ensino integral, onde os alunos têm a oportunidade de se tornarem protagonistas do ambiente escolar, com maior autonomia para fazer escolhas que definirão sua vida adulta. Além do horário estendido e das disciplinas convencionais, o ensino integral também oferece diferenciais como orientação de estudos, preparação acadêmica e aulas de projeto de vida.

Sem contar que o professor, com dedicação exclusiva, acaba aumentando o vínculo com a escola e os estudantes. “Estas unidades estão entre as que tiveram os melhores resultados do Saresp. Elas oferecem uma dinâmica diferente, que tem se mostrado muito bem-sucedida”, pontua Gina Sanchez.

Porém, por questões orçamentárias, a transformação das escolas em ensino integral ainda ocorre em ritmo lento. Das 53 escolas estaduais da cidade, apenas quatro – nem 10% – são de ensino integral.

“É importante frisar, também, que nem todas poderiam sofrer esta mudança, já que o Estado precisa garantir o estudo dos jovens que trabalham e não podem abrir mão da sua renda”, completa.

Outro ensino médio

Alvo de debates acalorados nos últimos anos, a Reforma do Ensino Médio é a principal aposta do governo federal, e também da Diretoria Regional de Ensino (DRE), para tornar mais atrativos os anos finais de formação do aluno. A previsão é de que a mudança, que abrangerá também as escolas municipais e particulares, seja efetivamente implantada na rede estadual a partir de 2021, quando os estudantes terão a opção de escolher entre diferentes itinerários formativos.

“Em 2019, estamos elaborando a grade curricular do ensino médio, a metodologia de aulas e o plano de ação, que aponta como ocorrerá a intervenção em cada escola. No ano que vem, o Conselho Estadual analisa e faz sugestões para, então, concluirmos este movimento”, detalha Gina Sanchez.

Até que todo o processo se concretize, a DRE promete intensificar as visitas de seus profissionais nas unidades que demandarem maior atenção para oferecer formação e acompanhamento de professores no âmbito escolar.

Sem perspectivas

Ana Laura Aparecida da Silva, 18 anos, e Bruno Gustavo de França, 20 anos, não se conhecem, mas vivem realidades bastante semelhantes. Ambos terminaram o ensino médio em 2017 e, desempregados, buscam uma oportunidade de trabalho para conseguir custear a continuidade dos seus estudos.

Outra coincidência: os dois querem fazer curso técnico de enfermagem. Depois que saiu da escola, Ana Laura chegou a trabalhar por curtos períodos como balconista e vendedora em uma loja de calçados.

Fora do mercado de trabalho, ela depende de recursos próprios para poder voltar a estudar. Enquanto a oportunidade não chega, segue ajudando a mãe, que trabalha fora, a cuidar dos três irmãos, de 8, 4 e 1 ano.

“Sempre quis trabalhar na área de saúde, mas são dois anos de curso e a mensalidade é R$ 360,00. Para realizar esse sonho, dependo de emprego. Estou entregando muitos currículos, mas está difícil”, lamenta.

Assim como Ana Laura, Bruno também trabalhou como vendedor, mas em uma loja de artigos esportivos. Desde janeiro desempregado, o jovem diz que ainda não começou a entregar currículos, mas que deseja voltar a ter uma renda para poder se especializar na área de enfermagem.

“Pode ser que eu faça isso no ano que vem. Eu queria poder morar fora do País, mas nunca sonhei com uma carreira específica. Gosto da área de saúde, mas penso em fazer enfermagem pra ter uma profissão, mesmo”, revela.

‘Temos dificuldades para formar professores com capital cultural’

Douglas Reis
Vera Capellini: tecnologia para fins pedagógicos é inadiável

A baixa remuneração dos docentes de ensino fundamental e médio da rede pública é outro aspecto importante para entender o baixo rendimento dos alunos, conforme análise da vice-diretora da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, Vera Capellini. Professora do departamento de Educação da universidade, ela aponta que, devido à pouca atratividade da carreira, boa parte das pessoas que ainda ingressam nos cursos de licenciatura não o faz por vocação, mas por não ter tido outras oportunidades.

“Estes cursos acabam sendo mais baratos nas faculdades privadas e menos concorridos nas públicas. Com isso, cada vez mais, temos dificuldades para formar professores com capital cultural”, analisa, classificando como “um problema seríssimo” a qualidade da formação dos professores atualmente. “Vários estudos apontam isso. Por mais que as faculdades, especialmente as públicas, ofereçam uma formação sólida, há dificuldade na hora de articular teoria e prática”, acrescenta.

Pesquisadora na área, Vera observa que a valorização dos docentes é ponto central dentro dos sistemas de ensino de países que registram melhores desempenhos nas avaliações escolares. Outro aspecto associado, ela reforça, é a adoção de metodologias mais participativas, em que os alunos, inclusive, têm a oportunidade de aprender coletivamente.

“É neste processo dialético entre o detentor do saber e aquele que vai aprender, é nesta relação entre ambos, que está a aprendizagem. No Brasil, porém, os jovens ainda ficam sentados em filas indianas, um atrás do outro, copiando conteúdos da lousa”, lamenta.

TECNOLOGIA

A professora também vê no amplo acesso à tecnologia digital para fins pedagógicos um caminho inadiável para adequar o ensino à linguagem dos jovens e tornar a escola mais atrativa para eles. Porém, ressalta que, ainda que todo este aparato estivesse disponível hoje, muitos professores não teriam habilidade para utilizá-los da maneira mais proveitosa possível.

Como os sonhos são construídos ou se perdem: adolescentes explicam

Isabella sonha cursar medicina em uma universidade pública. Melissa planeja fazer faculdade fora do Brasil. Andressa não tem sonhos. Foi a apenas uma aula desde que o ano letivo começou, há duas semanas, e não sabe o que irá fazer quando concluir o ensino médio, no fim do ano.

O que elas têm em comum? As três são adolescentes que estudam em escolas estaduais de Bauru. A diferença? Isabella Aparecida Villani Baio, 15 anos, e Melissa Waesshaupt Moura, 15 anos, estão em uma unidade de ensino integral, enquanto Andressa da Costa de Araújo, 17 anos, está matriculada em uma escola de ensino regular.

A jovem estuda à noite para poder trabalhar durante o dia como vendedora em uma loja de biscoitos, uma forma que encontrou de ter seu próprio dinheiro e complementar a renda da família, que vem exclusivamente do trabalho do pai como vigilante noturno. “Eu durmo depois do trabalho e dá preguiça de ir para a escola depois. É um pouco chato estudar”, conta Andressa, uma menina de poucas palavras.

A mãe, a dona de casa Neuza Aparecida da Costa, 54 anos, revelou que a jovem possui habilidade para fazer maquiagens, mas nunca procurou um curso para aprimorar sua técnica. “Falei para ela pegar o dinheirinho dela e investir, mas, por enquanto, nada”, resigna-se.

Imersas em outra realidade, Isabella Melissa passaram a frequentar uma unidade de ensino integral quando iniciaram o ensino médio. Com a oportunidade de dedicação exclusiva aos estudos e incentivadas pela família, agora elas projetam voos altos.

“Foi uma grande mudança. Você sente que os professores são bem preparados e, com isso, a maioria dos alunos se mostra interessada nas aulas. Ter esta motivação coletiva ajuda a gente a acreditar que é possível alcançar nossos objetivos”, conta Isabella, que se tornou mais extrovertida devido ao modelo de ensino oferecido na escola, conforme revela a mãe, Renata Aparecida Villani Baio, 42 anos.

Já Melissa, que pretende estudar psicologia ou algum outro curso da área de humanas no Exterior, conta que o estímulo oferecido pelos professores potencializou sua sede por conhecimento até mesmo fora da escola. Em casa, por conta própria, ela começou a aprender francês, já pensando em seus planos futuros.

“Até o 9º ano, eu não pude explorar áreas de conhecimento diferentes da grade curricular tradicional e descobrir do que eu gostava. Hoje, tenho muito interesse, por exemplo, por psicologia e paisagismo, algo que eu só percebi com a ajuda das disciplinas eletivas do ensino integral”, comemora.

Fonte: https://m.jcnet.com.br/Geral/2019/02/saresp-aprendizado-de-alunos-da-rede-publica-em-bauru-tem-atraso-de-3-anos.html?utm_source=Whatsapp&utm_medium=referral&utm_campaign=Share-Whatsapp

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