Os casarões antigos, construídos no início da década de 1930, foram, aos poucos, dando lugar a edifícios modernos ocupados por estabelecimentos comerciais. Se, no início, os Altos da Cidade eram uma região totalmente residencial, hoje, boa parte é ocupada por uma ampla gama de serviços, que inclui supermercados, padarias, agências bancárias, farmácias, academias, restaurantes, lanchonetes, clínicas e até galerias de lojas.
Em vez de ameaçar as residências remanescentes, os modernos prédios comerciais se consolidaram dentro de uma perspectiva de conciliação para oferecer qualidade de vida a quem ainda mora no local. Toda transformação experimentada ao longo de quase um século faz, hoje, com que os Altos sejam exemplo do que uma cidade sustentável deveria alcançar.
“O perfil incentivado no mundo todo é o da cidade polinuclear, dinâmica, que tenha polos setoriais, independentes do Centro, como é o caso dos Altos, onde a pessoa consegue morar e desenvolver uma série de atividades em um raio pequeno, que pode até mesmo ser percorrido a pé”, descreve a secretária municipal de Planejamento, Letícia Kirchner.
INÍCIO
A região que liga o Centro à zona sul surgiu, justamente, da expansão da região central da cidade. A partir dos anos 1930, foi ocupada inicialmente por ferroviários e funcionários públicos e, ao longo do tempo, se estabeleceu como bairro de classes A, B e C.
“Eram famílias que estavam fugindo do Centro, que já estava estrangulado. Antigamente, a partir da Duque de Caxias, eram só residências e algumas poucas vendinhas, que as pessoas compravam com caderneta. Hoje, os Altos são como uma pequena cidade dentro de Bauru”, observa o jornalista e historiador Luciano Dias Pires.
Composta por 12 bairros, a área está localizada no quadrilátero formado pela avenida Duque de Caxias com a avenida Comendador José da Silva Martha e alameda Doutor Octávio Pinheiro Brisolla com a rua Sorocabana, às margens da linha férrea.
Com a ocupação residencial no século passado, alguns empreendimentos importantes surgiram e foram importantes para a expansão da região, como o prédio da Prefeitura Municipal, o prédio da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da Universidade de São Paulo (USP), a extinta sede social do Bauru Atlético Clube e a fábrica da Coca-Cola, que ficava próxima de onde atualmente é a Praça Portugal.
OPORTUNIDADE
Com o tempo, a boa localização dos Altos – próximo ao Centro e à zona sul da cidade – despertou o interesse de comerciantes e investidores, quando moradores ou herdeiros vislumbraram uma oportunidade de ganhar dinheiro. Até hoje, os imóveis existentes no local são bastante valorizados e prova disso é a quase inexistência de placas de “aluga-se” ou “vende-se” no bairro.
“Hoje, os empresários buscam regiões que ofereçam a melhor experiência de compra, garantindo, inclusive, facilidade para o consumidor estacionar seu veículo. E este é um atrativo oferecido por muitos empreendimentos daquela região”, comenta a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico, Aline Fogolin.
Atualmente, toda a rede comercial dos Altos atende não apenas os moradores locais e da zona sul, mas também trabalhadores dos próprios estabelecimentos no entorno. “Cafés, restaurantes, serviços de comida rápida e as próprias lojas foram se adaptando, aos poucos, para este público”, completa.
Guardiã da Gustavo
O barulho dos motores dos veículos que trafegam sem parar pela rua Gustavo Maciel parece não incomodar a moradora Maria Aparecida Rossi da Silva, 88 anos. Vivendo há 40 anos em uma residência encravada entre lojas, ela viu quase todos os antigos vizinhos morrerem ou mudarem de endereço. “Eu morava na rua Bandeirantes, no Centro e, quando cheguei aqui, não tinha nada nesse pedaço. Era tudo mato, só com umas casinhas. Mas me acostumei com o que é a rua hoje. A casa é minha e gosto de morar nela. Não pretendo sair daqui”, diz. Viúva de um contador e dono de uma loja de tintas da cidade e com dois filhos criados, Maria mora sozinha, mas não lamenta a solidão, até porque recebe apoio constante da família. Assim como a boa vizinhança do passado, ela também mantém uma relação cordial com funcionários do comércio do entorno, que sempre se mostram dispostos a ajudá-la quando necessário. “Tem restaurante, farmácia, loja de óculos, de flor, de anéis e brincos. Com 88 anos, todo mundo me chama de vó. O que precisar, eles ajudam e tenho o telefone de alguns, se o alarme tocar de madrugada”, conta. |
Vocação: mini cidade em um só bairro
Poder público de Bauru se compromete a desenvolver estratégias para estimular a manutenção do bairro com residências e atividades comerciais
Malavolta Jr. |
Letícia Kirchner: “Não é de interesse público que os Altos se tornem uma área não residencial” |
O futuro dos Altos é seguir com o processo de expansão de estabelecimentos comerciais e se tornar uma área estritamente não residencial? No que depender do poder público, não.
Segundo as secretárias municipais Letícia Kirchner e Aline Fogolin, todas as medidas administrativas possíveis serão adotadas para evitar que aquela região repita o histórico do Centro, que fica praticamente inativo depois do horário comercial.
Samantha Ciuffa |
Aline Fogolin: “É saudável para a dinâmica econômica termos estas mini cidades dentro de um mesmo bairro” |
“Estamos começando a pensar no que será possível fazer para revitalizar a região central. É saudável para a dinâmica econômica do município termos estas mini cidades dentro de um mesmo bairro. É o que ocorre, por exemplo, em metrópoles como Nova York, Londres e São Paulo”, detalha Aline, secretária municipal de Desenvolvimento Econômico.
Titular da Seplan, Letícia descreve que saídas são criar atrativos para manter o uso residencial dos Altos e analisar o melhor perfil de uso e ocupação de novas construções. “É algo que a secretaria pode determinar na emissão de diretriz de um empreendimento”, frisa.
Ela explica que alguns prédios residenciais foram construídos na região do Bosque da Comunidade já adaptados à nova realidade da região, com lojas instaladas nos espaços térreos.
“Não é de interesse público que os Altos se tornem uma área não residencial. E isso é um assunto a ser tratado na Lei de Zoneamento, que está às vésperas de começar a ser revisada”, completa.
De casarão, nasce uma papelaria
Samantha Ciuffa |
Nilo Sérgio Alves Jr., gerente da papelaria: expansão |
Em uma área que não é de acesso ao público, é possível ver os remanescentes de um antigo casarão dos Altos da Cidade que, hoje, dá lugar a uma tradicional papelaria do bairro, na rua Antônio Alves. Nos fundos do estabelecimento, que servem de depósito para equipamentos e mercadorias, restaram uma quadra de tênis, churrasqueira e uma piscina aterrada.
“De vez em quando, a gente faz confraternizações de fim de ano com os funcionários neste espaço”, revela Nilo Sérgio Alves Junior, gerente da papelaria. No futuro, não está descartada a hipótese de a área ser utilizada para uma nova ampliação do estabelecimento.
Antes de ser inaugurada no endereço, há cerca de 20 anos, a livraria chegou a ocupar um imóvel menor, bem ao lado. “Com a construção da avenida Getúlio Vargas e de grandes empreendimentos, esta região dos Altos se valorizou e o comércio começou a migrar para cá. Ficamos por mais ou menos 5 anos na loja menor, mas, com o crescimento da demanda, percebemos que precisávamos de um espaço maior”, observa. Hoje, a papelaria dos Altos conta com 30 funcionários e registra faturamento semelhante ao da primeira loja da empresa, no Centro.
Família assiste a toda mudança
Samantha Ciuffa |
Fernanda de Oliveira Ferreira com os filhos Felipe e Leonardo |
Fernanda de Oliveira Ferreira, 37 anos, e a mãe Araci, 61 anos, são, certamente, uma das moradoras mais antigas da rua Alfredo de Castilho, via estreita, de uma quadra só, nos Altos da Cidade. Nascida na casa onde vive até hoje com os filhos Felipe, 4 anos, e Leonardo, 5 meses, Fernanda relata as mudanças a que assistiu ao longo do tempo.
“Não existiam portões eletrônicos, grades até o alto. Antes, eram todos portões baixos. E era uma rua bem unida. Um vizinho, que já morreu, foi padrinho de casamento da minha mãe. Dos moradores daquela época, só ficou a gente. Minha mãe já está há 50 anos aqui”, conta Fernanda.
A residência dos Ferreira, adquirida pelo avô de Fernanda, ferroviário, ainda mantém as características originais. Na varanda, as muitas cadeiras revelam o antigo hábito dos moradores da casa, de reunir familiares de frente para a rua.
“Aqui é um bairro bom, tudo fica perto. Minha mãe vai ao mercado a pé com um carrinho de feira. Mas devo sair daqui no ano que vem, assim que meu marido e eu terminarmos de construir nossa casa. E minha mãe diz que não quer ficar sozinha. É provável que a gente venda a casa”, revela.
Em dois meses, loja prospera
Samantha Ciuffa |
Gerente Leandro Ribeiro: faturamento dobrou |
A mudança de endereço da loja de artesanatos para o coração dos Altos, na rua Rio Branco, foi uma decisão acertada, segundo avaliação do gerente Leandro Ribeiro. Ele conta que, quase três meses depois da inauguração da loja no novo espaço, o faturamento do estabelecimento praticamente dobrou.
“A loja no antigo endereço completou um ano e fizemos a mudança neste ponto mais estratégico, com mais visibilidade, e que conta com um ambiente maior, o que permitiu que a gente diversificasse nossos produtos. O retorno está sendo muito bom”, comenta.
Outras vantagens, ele diz, são a área mais ampla para estacionamento e a localização, que permite mais fácil acesso para todos os perfis de público atendidos pelo estabelecimento. “O público mais jovem, que não tem carro, pode vir com mais tranquilidade, porque estamos próximos da Praça das Cerejeiras, onde passam muitas linhas de ônibus. E o pessoal com mais idade, que é ligado a produtos místicos, de várias culturas, tem maior facilidade para estacionar”, comenta.
Gráfica sobrevive a transformações
Samantha Ciuffa |
José Carlos Martins Coelho: novo perfil |
Inaugurada há 39 anos, uma gráfica localizada na rua Capitão Gomes Duarte está, provavelmente, entre os estabelecimentos mais antigos dos Altos da Cidade. Dono do negócio, José Carlos Martins Coelho assistiu a inúmeras transformações, que incluem a chegada de novas tecnologias e mudanças no perfil da clientela.
“Hoje, trabalhamos mais com publicidade, folhetos promocionais de empresas de telefonia e veículos, mala direta para divulgar serviços. Antes, atendíamos imobiliárias, lojas do comércio central. Fazíamos muitos talão de nota, cartão de visita, convites de casamento. Hoje, isso tudo é feito em gráfica rápida, em que é tudo digital. O custo nosso é mais alto”, observa.
Assim como a grande maioria dos estabelecimentos dos Altos, a gráfica se estabeleceu em um imóvel residencial. No passado, a localização era importante para atender os clientes, que faziam seus pedidos na porta da gráfica.
Hoje, com o advento da Internet, quase a totalidade das encomendas passou a ser feita por e-mail, sendo remetidas por entregadores. “Também temos vendedores para visitar os clientes. Fomos nos adaptando às mudanças na demanda”, comenta.