Revista Atenção

No divã do psicanalista

Desde muito jovem tento ser um cavalheiro. Nunca deixei de abrir a porta para uma mulher, jamais permiti que elas pagassem a conta, não posso ver mulher carregando peso nem fazendo esforço – é automático, sempre me orgulhei disso. Minha mulher é que não se conforma. Fica brava. Acha que é justamente aí que mora o preconceito. Seria uma espécie de machismo enrustido.
Procuro sempre caminhar do lado de fora da calçada, ao acompanhar minha esposa. Aprendi, na adolescência, que essa regra de etiqueta nasceu na Idade Média. Se o casal fosse abordado por algum assaltante, a mulher ficava mais protegida do lado da parede enquanto o macho desembainhava sua espada para enfrentar perigo. Modernamente eu diria que lugar do homem é o do lado de fora porque, se passar um caminhão sobre uma poça d´água, quem toma banho de lama é o “degas”. Desculpem-me a utilização de uma gíria antiga que que era usada para substituir o “eu, contador de vantagens”. Prosseguindo… se um carro desgovernado invade a calçada, eu é que serei atropelado. Serei um cavalheiro morto. Mas, cavalheiro…
Machismo ou gentileza? Boa educação, diria. Quando vou ao banco seguro a porta de vidro até que as mulheres e os idosos passem e algum outro cavalheiro apareça para me render, ou não haja mais ninguém se aproximando. Minha mulher acha um exagero partir da premissa de que a mulher é mais fraca fisicamente, economicamente e emocionalmente.
Lá em casa ela diz que “sexo frágil” não existe. Quem quer ser prestativo não precisa ser meloso. Se o cara quiser parecer bonzinho que leve também a mala pesada de outro homem, ou pague a conta de um amigo no botequim. Quando viajamos juntos minha mulher faz questão de levar a própria mala. Nada extraordinário depois que inventaram malas com rodinhas. Ela também detesta ser denominada de “esposa”. Diz que na Bíblia está escrito que após a cerimônia dos esponsais, “serão chamados marido e mulher”. A Constituição, de forma repetitiva, diz que os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e a mulher. Esses textos precisam de reforma, urgente, para contemplar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Há dez anos um projeto tramita no Congresso liberando o casamento entre gays. Os Cartórios se adiantaram, e já oficializam esse tipo de união, e a Justiça reconhece. Nesse caso, é irrelevante discutir quem vai carregar a mala do outro. Que cada um cuide da sua. E cozinhe quem souber.

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Da minha parte, continuo adorando as mulheres. Quero continuar pensando que elas são frágeis, delicadas e que os homens precisam continuar a protege-las. Sinto-me ofendido quando as feministas acusam: “Um homem obcecado por proteger uma mulher não a enxerga com igualdade, mas como alguém inferior”. Continuo me julgando no direito de acha-las mais profundas, mais sensíveis e (por que não?) mais inteligentes do que os homens. De fato, hoje elas trabalham, dividem o mercado, têm plenas condições de dividir a conta. A questão é que, por algum motivo, sinto-me mais homem pagando tudo sozinho. Isso quer dizer que eu também sou vítima de uma sociedade machista? O que eu faço, doutor? Devo parar de abrir a porta para uma velhinha ou uma gata? Sempre encarei esse gesto como uma reverência, não como um gesto de dominação. Nem sei mais como me comportar, doutor, me ajude?

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