Quando existe suspeita da doença, família do paciente deve fazer um enterro rápido, com caixão lacrado e sem velório
Pederneiras – Receber a notícia da perda de um ente querido nem sempre é fácil. Quando se trata de uma morte por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), com a suspeita de Covid-19, essa questão se torna ainda mais delicada para as famílias, já que um protocolo – que inclui suspensão do velório, caixão fechado e enterro rápido – deve ser seguido visando à proteção das equipes de saúde, funcionários do cemitério e dos próprios familiares do paciente. Na semana passada, desabafo feito por uma moradora de Pederneiras (26 quilômetros de Bauru), que não pôde velar seu pai (leia mais abaixo), viralizou na Internet e expôs o drama vivido pelas famílias que convivem com a suspeita ou a confirmação da doença.
No final de março, assim que a pandemia começou a ganhar força no Brasil, o Ministério da Saúde publicou relatório com orientações sobre o manejo de corpos no contexto do novo coronavírus. O documento cita a importância do uso de EPIs pelos profissionais de saúde, além de algumas normas, como a necessidade de colocação do corpo em sacos impermeáveis, identificados com etiquetas, e lacração do caixão. O relatório também traz recomendação para a não realização de velório nos casos suspeitos ou positivos de Covid-19.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que uma resolução estadual prevê que profissionais das unidades de saúde deverão emitir a declaração de óbito dos casos relacionados à Covid-19, além de adotar protocolos de isolamento visando à segurança e proteção dos profissionais da saúde, do serviço funerário e pacientes. “Todas as unidades de saúde já foram orientadas sobre os protocolos”, diz. Segundo o secretário de Saúde de Pederneiras, Pedro Luiz Pereira, esse protocolo, apesar de “desumano”, é necessário.
“O problema é que protocolo não tem família, não tem rosto, não tem filhos, não tem nada. Protocolo é protocolo. Quando (a morte) acontece, tudo isso ganha forma. As pessoas são pessoas, têm família, têm história. Eu compreendo o sofrimento das pessoas”, afirma. “Mas o protocolo visa à preservação dos funcionários da saúde envolvidos, dos funcionários do cemitério e funerárias e da própria família, que pode se contaminar. O protocolo é uma formalidade, que é enterro rápido, com caixão fechado e sem velório”.
Ele revela que, nos casos de mortes na cidade relacionadas ao novo coronavírus, a Vigilância Epidemiológica de Pederneiras aciona o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para tentar levar conforto aos familiares do paciente. “A gente faz um acompanhamento com psicólogo para tentar dar um apoio”, diz. “A gente tem que sofrer junto com essas famílias. Ou, pelo menos, ter a humanidade de reconhecer o sofrimento que está envolvido. Não é só a gente somar mais números na estatística de mortalidade”.
ATESTADO DE ÓBITO
O secretário explica que o mesmo protocolo deve ser adotado nas mortes suspeitas e confirmadas de Covid. Em relação à emissão do atestado de óbito, ele conta que existem algumas diferenças. Nos casos positivos, a doença é citada como causa da morte. Já nos casos suspeitos, a causa do óbito é relatada como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Covid é descrita em um campo como “causas relacionadas”.
De acordo com Pereira, mesmo que exame descarte posteriormente o óbito pela doença, não é necessário retificar esse atestado de óbito ou refazer o documento. “O atestado de óbito é um documento médico. A pessoa vai levar esse documento no cartório para pegar a certidão de óbito. E, na certidão, só aparece a causa base”, esclarece.
Desabafo de uma filha
Na semana passada, Simone Rezende, 42 anos, moradora de Pederneiras, perdeu o pai, Geraldo Tomaz de Rezende, de 78 anos. O idoso tinha uma patologia pulmonar, mas, como o quadro de saúde dele se agravou de forma rápida, o médico que fazia seu acompanhamento suspeitou de Covid e requisitou exames. Diante da suspeita, a família não pôde fazer o velório, situação que levou Simone a expôr seu drama na Internet. Em um vídeo postado no Facebook, ela contou que um irmão chegou a ver o corpo do seu pai no necrotério do hospital, mas, quando a funerária foi buscar, ele estava dentro de um saco, com identificação de Covid. Ontem, em entrevista ao JC, ela disse que faltou uma melhor comunicação por parte da unidade.
“O problema que eu acho, na maior parte, é a desinformação. O que mais doeu para minha família foi que falaram uma coisa e, depois, a gente ficou sabendo pela funerária que não poderia fazer (o velório). Gerou um conflito aí. Eu acho que, da forma que está sendo levado esse protocolo dentro dos hospitais, a forma como está sendo levada toda essa pandemia, para as famílias, é duro”, desabafa. “O meu pai não volta. Mas a intenção é que outras famílias não passem pela mesma coisa”.
Em nota, a Santa Casa de Pederneiras, onde o paciente estava internado, informou que prestou aos familiares dele “total atenção e esclarecimento” acerca das circunstâncias que envolveu a morte e a suspeita de Covid, com informações sobre providências e protocolos a serem adotados. “Nos sensibilizamos e comungamos com a dor decorrente da perda sentida pela família deste paciente”, declarou.