Com um histórico de tragédias, a Lagoa da Quinta da Bela Olinda finalmente deverá ser esvaziada e aterrada para dar lugar a um parque urbano. A proposta, aventada há muitos anos por lideranças políticas da cidade, nunca saiu do papel devido à falta de recursos.
Agora, segundo o prefeito Clodoaldo Gazzetta, este não deverá mais ser um impeditivo para a necessária revitalização da área, prevista para ter início ainda em 2019. Para subsidiar o projeto de construção, inclusive, foi concluída recentemente a medição da profundidade da represa, a chamada batimetria, em 90 pontos distintos.
O estudo, doado por uma empresa privada, revelou que a lagoa possui desníveis perigosos, verdadeiras armadilhas principalmente para os banhistas que frequentam o local e não sabem nadar. Em um trecho a partir da margem da represa, a profundidade da lagoa varia bruscamente de 23 centímetros para 5,60 metros.
Em outro ponto, o mesmo risco: a oscilação vai de 54 centímetros para 6,72 metros. Já no ponto mais profundo, a altura da água chega a 9,91 metros (veja quadro ao lado).
Segundo o prefeito Clodoaldo Gazzetta, o levantamento preciso da configuração do fundo da lagoa está sendo importante para determinar custos e o modelo mais adequado de parque que ocupará os 60 mil metros quadrados daquela área. O projeto deverá ser apresentado até o fim de janeiro, com expectativa de custar a partir de R$ 10 milhões.
COM QUE DINHEIRO?
“Nada sairá dos cofres da prefeitura. O recurso, já assegurado, virá da contrapartida exigida pelo município para a construção de empreendimentos imobiliários previstos para aquela região, totalizando quase 7 mil unidades habitacionais. O parque deverá ser concluído antes mesmo das casas, possivelmente em 2020”, cita Gazzetta, acrescentando que a expansão urbana iminente naquele setor da cidade torna ainda mais urgente a necessidade de garantir maior segurança para a área da lagoa.
‘INOVADOR’
O prefeito não revelou detalhes do projeto, mas adiantou que a proposta inicial é de que o parque conte com restaurante, ciclovia, quadras esportivas, inclusive quadra de areia, espaço para recreação e também um reservatório de água para o lazer dos banhistas. “É uma área multiuso grande, com capacidade para receber, considerando a rotatividade, 50 mil pessoas por fim de semana. Trata-se de um projeto inovador. Não há nada parecido em termos de parque urbano no Interior do Estado de São Paulo”, afirma.
Com o esvaziamento da lagoa, a intenção é de que os peixes nativos sejam encaminhados ao Rio Batalha e os exóticos a reservatórios de criadores particulares.
Já o aterramento deverá consumir aproximadamente 130 mil metros cúbicos de terra, com custo que também deverá ser assumido por empreendimentos residenciais da região, que já estão com projetos de construção aprovados na prefeitura.
100 MORTES
A Lagoa da Quinta da Bela Olinda já foi palco de várias mortes por afogamento em Bauru. Não existem estatísticas precisas, mas há quem estime que cerca de uma centena de pessoas perderam a vida no local ao longo das últimas décadas. Apesar de haver uma placa afixada na margem alertando para o risco de afogamento, moradores da região, sem alternativas seguras de espaços de lazer, continuam frequentando a represa. Nesta semana, a reportagem do JC esteve no local em dois dias distintos e, em ambas as ocasiões, verificou a presença de banhistas. “Felizmente, faz tempo que não ocorre afogamento na lagoa. Mas o risco continua o mesmo e a recomendação é não entrar na água”, comenta o tenente Victor Félix Tozi Bomfim, relações públicas do 12.º Grupamento de Bombeiros. O último caso foi registrado no final de 2017.
Quase 150 pessoas morrem afogadas em quatro anos em Bauru e região
O calor intenso do verão, com temperaturas que ultrapassam, todos os dias, os 30 graus, é um convite para o contato com a água. E não é só a Lagoa da Quinta da Bela Olinda que merece alerta. Com vários fragmentos de Cerrado, a região de Bauru é rica em reservas naturais, que abrigam rios e lagos, assim como represas, frequentemente utilizados para o lazer nesta época do ano.
São espaços que, tragicamente, se tornaram palcos constantes de afogamentos. Somente nos últimos quatro anos, 149 pessoas morreram afogadas em Bauru e região, segundo estatísticas do 12.º Grupamento de Bombeiros, que abrange 69 municípios.
Em 2018, foram 38 óbitos, patamar semelhante ao de 2017, quando 40 pessoas morreram. Já 2016 foi o mais crítico dos últimos anos, com 44 mortes, incluindo a de um homem, três filhos adolescentes e o namorado de uma das jovens, que perderam a vida ao saltar em um afluente do Rio Batalha, em Bauru (leia relato da mãe na página ao lado). Em 2015, o número foi menor, totalizando 27 vítimas fatais por afogamento.
As estatísticas são o reflexo de que muitos locais frequentados pelos banhistas podem ser traiçoeiros, com armadilhas, como desníveis no solo e obstáculos, escondidas pela falta de visibilidade. Especificamente nos rios, há, ainda, o agravante da existência de correntezas e redemoinhos perigosos até mesmo para quem tem boa técnica para nadar.
“Mas, ao contrário do que se possa imaginar, não precisa ser uma área grande. Há cerca de duas semanas, tivemos um afogamento em uma represa pequena da região”, cita o relações públicas do 12.º Grupamento de Bombeiros, o tenente Victor Félix Tozi Bomfim.
Segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), uma pessoa morre afogada no País a cada 91 minutos, totalizando 5.840 óbitos por ano, a maioria em água doce. É como se, a cada semana, uma pequena embarcação naufragasse sem deixar sobreviventes.
IMPRUDÊNCIA
Tozi destaca que os acidentes fatais ocorrem quase sempre pela imprudência dos banhistas, associada às “emboscadas” existentes em rios e lagos, como desníveis acentuados de profundidade, além de obstáculos como pedras e galhos de árvores.
“Quase todos os casos de afogamento têm como principal causa a bebida alcoólica. A vítima vai para o local para se divertir com amigos, fica alcoolizada e perde o senso crítico. Quer entreter o grupo e tenta, por exemplo, atravessar a Lagoa da Quinta da Bela Olinda, mas acaba não conseguindo”, detalha.
É este padrão de comportamento que faz com que o número de homens que morrem por afogamento seja 6,8 vezes maior que o de mulheres, conforme a Sobrasa. “A maioria é jovem”, acrescenta o tenente.
Além da bebida alcoólica, os outros dois componentes que contribuem para a ocorrência de acidentes, cita Tozi, são aventurar-se em áreas desconhecidas e deixar crianças sem a supervisão de adultos. “É preciso saber onde está pisando. Se for brincar na água, vale aquele velho chavão: ‘água acima do umbigo, sinal de perigo’. E, para quem não sabe nadar, a orientação é simplesmente não entrar na água”, completa.
Crianças em casa, atenção redobrada
Nas férias, as crianças passam mais tempo em casa e os pais devem redobrar a atenção para evitar acidentes com água, que podem ocorrer em piscinas, baldes, banheiras e até vasos sanitários. “O mínimo de água que impedir a respiração pode ser fatal”, alerta o tenente Victor Félix Tozi Bomfim, destacando que afogamentos são a segunda maior causa de mortes de crianças com até nove anos de idade, atrás somente dos acidentes de trânsito.
“Um grande problema hoje é o uso do celular, que tira muito a atenção dos adultos. Em um segundo de descuido, a criança pode ter saído de perto e é neste momento que tragédias acontecem”, acrescenta.
Na piscina, o recomendado é proteger os pequenos com coletes infláveis bem ajustados, em vez das habituais boias de braço, que podem escapar facilmente durante a brincadeira na água. Quando não estiver sendo utilizado, o reservatório deve ser mantido coberto por lona e, se possível, cercado por grades.
Cuidado para o resgate não virar tragédia
Embora o primeiro impulso para tentar salvar alguém de um afogamento em rio, lagoa ou represa seja também saltar na água, o tenente Victor Félix Tozi Bomfim destaca que esta não é a forma mais eficaz de prestar socorro, se quem for oferecer ajuda não tiver técnica adquirida para tanto, mesmo que sabendo nadar. A primeira medida é pedir para alguém acionar o 193 (número do Corpo de Bombeiros), enquanto outras procuram algum tipo de ferramenta para tentar retirar a vítima do local.
“A vítima vai estar desesperada e, se alguém chegar perto, ela certamente vai, por instinto de sobrevivência, acabar fazendo a outra pessoa afundar junto. O ideal é oferecer uma corda, um galho, uma boia, qualquer coisa que a pessoa possa segurar para ser puxada até a margem, sem risco para os demais”, orienta.
‘A natureza levou minha família’
Há três anos, a dona de casa Marinez dos Santos Avante, 43 anos, tenta se reerguer da tragédia que levou seu marido e três filhos adolescentes. Além deles, o namorado de uma das jovens também morreu afogado ao saltar em um afluente do Rio Batalha, no bairro Rio Verde, próximo de onde a família morava.
Desde então, os dias de Marinez, que hoje mora no Parque Jaraguá com o único filho vivo, de 25 anos, oscilam entre perder e recobrar forças para continuar encontrando beleza – e sentido – na vida. “Principalmente quando vai chegando a data, eu fico balançada. Até há bem pouco tempo, não conseguia falar no assunto. Com a ajuda dos amigos e do Senhor, estou conseguindo me reerguer, mas ainda dói muito”, afirma.
No riacho, morreram o marido dela, Newton Mello Avante, 44 anos, os filhos Natalia Gabriela dos Santos Avante, 17 anos, Thallyson Natan dos Santos Avante, 17 anos e Nataliely Mariana dos Santos Avante, 13 anos, além do namorado de Natalia, Luick dos Santos Claro, 15 anos. A família estava morando há apenas oito meses em uma chácara próxima e o afluente do Batalha havia se tornado destino constante em dias de folga.
No dia trágico, Marinez havia decidido ficar em casa. “Eles foram por volta de 14h30 e, umas 15h, senti uma coisa muito ruim, fiquei inquieta. Todo o verde em volta da chácara ficou cinza e comecei a pensar na minha caçula (Nataliely), porque ela não queria ir e me deixar sozinha”, conta.
ANGÚSTIA
Até hoje, a dona de casa acredita que o momento de angústia foi o exato instante em que Nataliely saltou no riacho, cuja profundidade havia sido repentinamente modificada pela ação das chuvas daquele verão. “Aí, acredito que foi um atrás do outro, um tentando socorrer o outro”, lamenta.
As horas daquele dia passaram e, diante do atraso da família, que participaria de um culto no fim da tarde, Marinez sentiu que o pior poderia ter acontecido. “Meu marido nunca chegava atrasado. Fiquei desesperada”, relembra.
Depois de velar e enterrar praticamente a família inteira, a dona de casa decidiu voltar a viver no imóvel onde morava anteriormente com o Newton e os filhos, no Parque Jaraguá. “Tínhamos nos mudado para a chácara para que eles tivessem mais liberdade, mas a natureza acabou levando minha família embora. Hoje, entendo que Deus quis assim”, diz, ressaltando que, apesar da compreensão trazida pela espiritualidade, o vazio deixado pela ausência certamente irá acompanhá-la para o resto da vida.
“Fico com vontade de ouvir a voz deles. Não tem como acostumar com essa dor”, comenta. Quando a dor aperta, Marinez procura alívio em fotos e vídeos, incluindo os que Natalia aparece louvando na igreja. Cuidar do jardim, na área onde as crianças gostavam de estudar e brincar, também ajuda a sentir os filhos mais próximos. “É quando eu sinto que, um dia, vou encontrar minha família de novo”, revela.
PAPEL DE MÃE
Evangélica, a dona de casa tem contado com o suporte da igreja para se fortalecer. Além de participar dos cultos, ela também atua no aconselhamento de jovens, o que a permite, mesmo que de vez em quando, voltar a desempenhar o papel de mãe de adolescentes.
Sobrevivendo com a pensão de pouco mais de R$ 1 mil deixada por Newton, Marinez também voltou a estudar para terminar o Ensino Médio e está à procura de emprego. “Estou ocupando minha cabeça para seguir a vida”, acrescenta ela, que sonha, ainda, adotar uma menina.
“Estou há um ano na fila para adoção. Sei que cada filho é insubstituível, mas tenho muito amor de mãe guardado dentro de mim. Quero ter a oportunidade de dar este amor a uma criança de novo, de ensiná-la e aprender com ela que a vida pode ser boa”, completa.
Relembre o caso
O acidente que matou Newton, Natalia, Thallyson, Nataliely e Luick foi registrado em 14 de fevereiro de 2016, em um riacho de cerca de 20 metros de diâmetro e águas calmas, localizado a cerca de 12 quilômetros de distância do Aeroporto Moussa Tobias. A principal suspeita é de que uma das vítimas tenha se afogado e as demais tenham morrido ao saltarem no rio, em sucessivas e frustradas tentativas de resgate. Nenhum dos banhistas sabia nadar e não havia mais ninguém no local.
A família já havia se banhado por diversas vezes no riacho, que tinha profundidade de não mais que um metro de profundidade. Acredita-se, contudo, que as chuvas recorrentes registradas naquele verão tenham alterado a configuração do fundo do córrego, já que os corpos foram encontrados a uma profundidade de cerca de quatro metros.
Fonte: https://m.jcnet.com.br/Geral/2019/01/lagoa-da-morte-tem-armadilhas-de-quase-10-metros-e-deve-ser-aterrada.html