Grupo realiza atividade como terapia para preservar a consciência e escolheu visitar colégios onde estudaram para ensinar as brincadeiras às crianças e adolescentes de hoje.
Caminhão de carretel de linha, bola de meia, peteca de palha de milho, cinco marias e macaquinho de madeira. Esses foram alguns dos brinquedos que um grupo de idosos atendidos pelo asilo Lar São Francisco, de Araraquara (SP), produziu para levar às escolas onde estudaram e ensinar crianças e adolescentes novos passatempos longe da tecnologia.
“Foi gratificante, dá até uma dor no coração da gente”, disse Lázaro José Sampaio, de 67 anos.
Acompanhados dos profissionais de terapia ocupacional da entidade, eles pretendem levar a pelo menos seis escolas de educação fundamental e ensino médio da cidade ainda neste ano.
Nostalgia
Idosos querem levar brinquedos produzidos por eles para escolas de Araraquara (SP) — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Tudo começou com a ideia do seu José Antônio Rodrigues, de 81 anos, que foi marceneiro e sempre fez trabalho manual. Ele queria aproveitar o tempo livre para produzir os brinquedos comuns na época de sua infância e contou isso ao grupo de 13 idosos que compartilham a sua rotina.
Em agosto do ano passado, eles fizeram uma lista para relembrar os brinquedos, as músicas e tudo o que costumavam fazer para se divertir quando eram crianças, além de pedir doações dos materiais necessários para a produção dos brinquedos.
“Para fazer o peão a gente precisava de madeira de verdade e hoje não encontra mais para vender, só tem aquelas comprenssadas. Teve um dia que eu estava fazendo a minha caminhada e vi um sofá jogado num terreno. Fui lá e desparafusei os quatro pés dele. Madeira pura”, contou, orgulhoso.
Terapia
Atividade virou terapia ocupacional para os idosos atendidos no asilo — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Segundo a terapeuta ocupacional Pamela Cristina Brumatti, um dos desafios foi encontrar as penas grandes para as petecas. O grupo queria que fossem de galinhas, mas ela não conseguia encontrar penas grandes o suficiente para manter o equilíbrio do brinquedo.
“A gente foi no Parque Infantil para achar pena de pomba, mas eram todas pequenininhas e eles queriam grande. O Seu Zé comentou com uma colega nossa que estávamos precisando e, coincidentemente, um gavião morreu eletrocutado na fiação da rua dela”, contou Pamela.
Escola Pedro José Neto foi a primeira a receber a visita dos idosos — Foto: Gabrielle Chagas/G1
As visitas às escolas também foram ideia do grupo. Juntos, eles fizeram uma lista com os
colégios onde haviam estudado e onde costumavam levar os filhos para as aulas.
A primeira parada foi na escola Estadual Pedro José Neto, colégio do Lázaro José Sampaio, de 67 anos, na quinta-feira (6). O aposentado estudou do 1º ao 5º ano no antigo Grupo Escolar, por volta dos anos 1960.
Lázaro José Sampaio pôde revisitar a escola onde estudou e conversar com os adolescentes — Foto: Gabrielle Chagas/G1
“Eu sentei numa classe que tinha só mulher e eu não ligava, queria estudar e aproveitava para ficar perto delas. Cheguei a ganhar um doce por não conversar, porque eu era uma praga, fazia arte. No fundo da sala ficava os tranqueiras, naquela época todo mundo queria ser o tal. Eu sentava na frente, embora pareça mentira”, contou.
Seu Lázaro contou que não conseguiu entrar na sala de aula onde estudou por causa da sua dificuldade de locomoção, mas passou pela secretaria, pelo pátio e refeitório. “Estava tudo no mesmo lugar, as torneiras, tudo”.
Conhecimento
André Guerreiro aprendeu novas brincadeiras durante a visita dos idosos — Foto: Arquivo pessoal
A experiência também foi emocionante para o estudante do 1º ano do ensino médio André Guerreiro, de 15 anos. A atividade foi construída dentro de um projeto educacional da escola integral, que visa construir a autonomia e a consciência social dos alunos para prepará-los para o mundo.
“A gente ficou sabendo que eles viriam umas três semanas antes, mas no dia foi super gostoso, porque teve uma troca de conhecimento, por eles serem mais experientes e a gente ser mais novo”, contou.
Segundo André, o grupo se deu muito bem explicando os jogos para os adolescentes, já que eles eram bons no que faziam.
“A gente conversou bastante, eles ensinaram os jogos, as brincadeiras da época deles. Algumas eu já conhecia, mas nunca tinha visto o futebol de prego, que foi o que eu mais gostei. Nunca imaginaria isso, eles detonaram a gente nas competições”, disse, rindo.
Gratidão
Atividade fez parte de projeto de escola integral para formação da autonomia dos alunos — Foto: Arquivo pessoal
Para a estudante do 2º ano, Camili Soares Marques, de 16 anos, a visita dos idosos foi uma oportunidade de amadurecimento.
“Eu já tive contato com idosos, já tinha visitado alguns asilos com o pessoal da igreja, mas foi diferente. Eles foram muito simpáticos, tiveram paciência para mostrar tudo, cantaram com a gente, foi um tempo muito bacana que a gente teve com eles”, disse.
A garota contou que conhecia alguns brinquedos que o grupo levou, como o macaquinho feito de madeira e pendurado por fios de náilon, mas a maioria foi novdidade.
“Foi um privilégio. Tinha brinquedo que eu nunca tinha visto na vida e foi uma experiência muito legal.”
Futebol de prego feito pelos idosos de Araraquara — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Peões foram feitos com madeira dos pés de um sofá abandonado — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Idosos ensinaram os adolescentes a brincarem de ‘Três Marias’ — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Nos tempos livres eles aproveitam os brinquedos produzidos para brincar no asilo de Araraquara — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Grupo de 13 idosos arrecadou materiais e fez todos os brinquedos — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Projeto deve ser levado a mais seis escolas de Araraquara — Foto: Gabrielle Chagas/G1
Adolescentes e crianças poderão ver de perto como eram os brinquedos antigamente — Foto: Gabrielle Chagas/G1