Por João Jabbour
Há coisas, muitas coisas, estranhas acontecendo por aí.
Não, não se trata de sinais de alguma invasão de OVNIs nem de uma cena de Lost, muito menos de mísseis nucleares prestes a serem acionados ou uma invasão de zumbis. Há ruído e turbulência em excesso nas relações pessoais, profissionais, políticas e sociais, o que deixa no ar a permanente sensação de que há algo fora do lugar e a toda hora.
Presos comandando presídios, filho apontando o dedo para os narizes dos pais, desonestidade festejada como esperteza, pipoca mais cara que o filme, cliente tendo de agradar o balconista para que este não estresse ao atendê-lo, o gerúndio imperando, o país que se diz guardião dos valores democráticos elegendo um presidente autoritário e arrogante (Trump), alunos reprovados passando de ano, música fazendo apologia do crime e ganhando o topo da lista das mais tocadas, muita gente trocando insultos e não mensagens no facebook, água destruindo tudo pela frente na época em que a tecnologia é poderosa, pais delegando à escola a educação que deve ser de berço. Enfim… Não há novidade alguma na desarmonia organizada que rege o universo e a condição humana. Mas parece que anda passando dos limites.
Outro dia estava no caixa de um supermercado, atrás de um homem de uns 40 anos que pagava sua compra. Eis que, sem mais nem menos, ele chama de “tia” a mulher de uns 45 anos que o atendia. Por dever do ofício, ela ficou quieta, apesar de sua fisionomia se transformar imediatamente. Chegou minha vez e ela não aguentou: “perdi meu dia! Como pode ele me chamar de tia? Meu Deus, que cara grosso… não sou tia não, que raiva…”. Concordei e me solidarizei com a jovem senhora, que até poderia ser tia, mas não de alguém cerca de 5 anos mais novo do que ela. Nunca provoque uma mulher desta forma…
Saindo de um exemplo prosaico a um bem mais complicado – a eleição e, agora, posse do novo presidente norte-americado Donald Trump -, emblemática demais no tema desarmonia e, em suma, em que pesem todas as análises, um exemplo global e cabal de que os sistemas não dão todas as respostas, nem uma sociedade é linear em sua evolução. O cara prega atitudes que agridem frontalmente princípios que pareciam consagrados sob o manto da democracia liberal tão cara aos norte-americanos. E vai pô-las em prática, gerando uma grande incerteza sobre o futuro não só dos EUA, mas do mundo.
Como explicar essa atração humana pelo perigo, que desarranja o que parecia organizado e estável? A sociologia, a filosofia, as religiões debatem o tema cotidianamente.
As ciências sociais estudam há muito tempo a dicotomia que entre indivíduo e sociedade. E quanto mais pesquisa, mais complexa e distante fica a conclusão, embora mais reveladora sobre a estrutura física e mental humana. Essa forma de analisar a civilização surgiu no século 18. Não faz tanto tempo assim. O homem ainda não compreendeu o homem.
Os pesquisadores perceberam uma coisa ao longo deste período. Em alguns momentos, o indivíduo prevalece sobre a sociedade. Em outros, a sociedade predomina. O que nos leva a pensar que neste momento da história o individuo anda prevalecendo.
O que tem acontecido de ruim por aí parece ser obra da individualidade exacerbada, talvez porque tenhamos adquirido a sensação de que os avanços da tecnologia nos fazem não depender de mais ninguém. Ledo engano que gera desarmonia que nos empurra para dentro de uma espessa nuvem de incertezas.
É preciso resgatar valores sociais perdidos no tempo e construir outros. Chegamos a uma encruzilhada. Os caminhos são dois: a autodestruição ou um salto a uma nova forma de vida em sociedade.
Teremos de optar.