Inspirado em história real, romance de Márcio ABC revisita ferida aberta da humanidade enquanto causa tensão ao abordar delação premiada
Novo romance do jornalista e escritor Márcio ABC, “Delação” expõe uma das feridas humanas que mais latejam sem que possa ser efetivamente curada, pois está aberta em um núcleo muitas vezes impenetrável: a própria família.
A narrativa é inspirada numa história real descoberta por acaso pelo autor em momento de intimidade com uma de suas protagonistas verdadeiras. “Uma história que eu decidi, por muito tempo, apagar da minha mente”, revela o escritor no texto “A vida real”, apêndice do romance. “De fato, os acontecimentos que me foram narrados em cima da cama permaneceram adormecidos, mas, como se sabe, tudo que é falado vale para sempre. Não tem volta, não se pode simplesmente apagar”. Três décadas depois, ele resolveu revisitar essa história dolorosa, situada em meio aos reflexos da escandalosa política nacional.
A sinopse da obra dá a dica: “O drama aqui escrito pode estar ao lado de qualquer um de nós”. A narração é conduzida por um jovem cineasta, que refaz os passos da época em que foi asfixiado pelo obscuro cotidiano familiar, quando o abuso que vitimava os três irmãos vinha de onde não se podia imaginar. Já adulto, o narrador busca exorcizar os fantasmas que assombraram a infância dele e dos irmãos e continuam a atormentá-los. Mas não é só isso. Toda a trama é perpassada pela tensão resultante de uma delação premiada como tantas levadas a cabo durante investigações relacionadas a políticos e empresários brasileiros.
Para Joselma Noal, escritora e doutora em letras, “’Delação’ trata da condição humana, que é sempre o assunto da literatura”. No prefácio, ela avisa: “A história é impactante e é revelada em uma linguagem forte, às vezes até agressiva, sem deixar de ser bela”. Já na contracapa do livro, o escritor e cartunista Óscar Fuchs compara as emoções derramadas no decorrer da obra como “uma represa que se rompe”.
“Delação” é o sexto romance de Márcio ABC, que estreou na literatura com “Parabala”, em 2002. Na sequência, publicou “Desrumo” (2010), “Pater” (2012), “Na pele dos meninos” (2014) e “Estado bruto” (2018).
Lançamento
Dia 16 de maio, às 20h
Templo Bar (Rua Benjamin Constant 1-34 – Bauru)
Trecho
“Sem que eu pudesse ter previsto me vi caminhando pelo corredor dos quartos, vi o quadro de natureza morta à minha direita, à esquerda o castiçal acobreado que Mamãe adorava e cuja lâmpada de luz levemente dourada permanecia acesa durante a noite toda, farejei a atmosfera adocicada recendendo a fumo e roupas guardadas que escapava pela fresta da porta entreaberta, lembro de ter me assustado com o movimento autômato da minha mão em direção à maçaneta como uma sombra se antecipando ao próprio corpo, depois o breve contato com o metal frio. Sem grande cautela empurrei a porta e um facho débil de claridade varreu a cama na diagonal. Papai ressonava de barriga para cima debaixo de uma coberta que se enrolava em suas canelas e deixava descobertos ambos os pés. Por um longo instante eu me detive a contar seus dedos, do dedão ao dedinho, do dedinho ao dedão, depois do dedinho do pé esquerdo ao dedinho do pé direito, não sei quantas vezes, como a percorrer uma cadeia de montanhas de horizonte a horizonte. Acho que foi a primeira e única vez que vi os pés de Papai nus, eram longos e finos. Os sapatos brilhantes aos pés da poltrona vermelha cruzaram minha visão feito um risco de meteoro no céu. Apertei espasmodicamente o cabo da faca.”
Sinopse
Asfixiado pelo obscuro passado familiar do qual não consegue escapar, jovem cineasta refaz os passos inocentes e determinantes para o horizonte ameaçador que enfrenta agora. O narrador, já adulto, busca exorcizar os fantasmas que assombraram a infância dele e dos irmãos e que teimosamente ainda insistem em acompanhá-los mais de uma década depois. O ambiente claustrofóbico do porão da casa onde viveram, em São Paulo, a clínica onde a mãe apoplética o perturba com seu olhar incisivo e a cama na qual faz juras e sexo são as “âncoras” que permitem ao narrador empreender a travessia dos primeiros anos do Século 21 na metrópole paulistana, onde o abuso que vitimava os três irmãos vinha de onde não se podia imaginar. “Delação” é um romance em movimento. A narração, que no papel é direcionada a uma intrigante interlocutora, na verdade vai diretamente, sem filtro, ao leitor. Em meio às aventuras do herói ou anti-herói sem nome que, sem pudores, avança rumo à própria condenação, rebenta a dura crítica à falta de ética da sociedade atual e principalmente ao vale-tudo que engolfa a política nacional. O drama aqui escrito pode estar ao lado de qualquer um de nós.
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