Texto mantém exigência de doação ao SUS, mas permite que firmas usem cota privada enquanto governo ainda vacina grupos prioritários. Projeto ainda será analisado pelo Senado.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (6) o texto-base de um projeto que autoriza empresas privadas a comprarem vacinas contra a Covid para imunizar os funcionários.
Após a aprovação do texto-base, os deputados analisaram alguns destaques, propostas que visam modificar o conteúdo. A sessão foi encerrada, no entanto, sem que essa etapa fosse concluída.
Com isso, os deputados devem retomar a votação do projeto nesta quarta (7). A sessão está marcada para as 13h55. Concluída a análise, o projeto seguirá para o Senado.
Na prática, a principal mudança do texto é retirar a exigência, atualmente prevista em lei, de que as empresas só possam começar a vacinação própria após a imunização dos grupos prioritários pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O texto também permite a compra de imunizantes autorizados por agências estrangeiras reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo que não tenham registro ou autorização da Anvisa.
O texto conta com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – que, na semana passada, defendeu a mudança ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Segundo Lira, a iniciativa privada pode dar mais agilidade ao processo de vacinação no país. Veja o que diz o presidente da Câmara no vídeo abaixo:
Mais cedo, o plenário aprovou requerimento de “urgência urgentíssima” para o projeto, liberando o texto para votação no mesmo dia.
Hoje, a legislação já permite a compra dos imunizantes por pessoas jurídicas. No entanto, a regra é que todo o estoque deve ser doado ao SUS até que seja concluída a vacinação dos grupos prioritários.
Com essa primeira fase concluída, a regra muda: as empresas podem comprar, distribuir e aplicar as doses de vacina, mas metade do estoque tem que ser doada para o SUS. A outra metade pode ser aplicada de forma gratuita nos funcionários da firma, por exemplo.
A proposta aprovada pela Câmara flexibiliza essa exigência, permitindo que as empresas escolham uma entre duas contrapartidas:
- doar integralmente as doses ao Sistema Único de Saúde (SUS) para serem usadas no Programa Nacional de Imunizações (PNI); ou
- aplicar as doses exclusivamente nos seus empregados (sejam eles funcionários, estagiários, associados, autônomos ou prestadores de serviços), de forma gratuita, e doar a mesma quantidade utilizada ao SUS.
Além disso, pela proposta, as empresas devem seguir os critérios de prioridade estabelecidos no Programa Nacional de Imunizações (PNI) para a vacinação de seus funcionários.
O projeto de lei também cria uma trava para a compra dessas vacinas. O texto estabelece que os laboratórios que fecharam contratos com o Ministério da Saúde só podem vender doses ao setor privado se já tiverem entregado todas as doses compradas pelo governo.
A primeira versão do projeto previa como contrapartida a possibilidade de imunizar, também, os familiares de primeiro grau dos funcionários – em vez de doar as doses ao SUS. Esse trecho foi retirado pela relatora, deputada Celina Leão (PP-DF).
O autor do projeto, deputado Hildo Rocha (MDB-BA), havia proposto ainda a dedução integral no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica das despesas com a compra das vacinas. O trecho foi alvo de críticas e ficou de fora do parecer aprovado.
Estabelecimentos de saúde
Relatora do texto, a deputada Celina Leão incluiu nesta terça um dispositivo que permite a contratação, pelas empresas, de estabelecimentos de saúde autorizados a importar vacinas – hospitais, farmácias e clínicas particulares, por exemplo.
A relatora argumenta que uma lei de 1973 estabelece que apenas empresas licenciadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou por órgãos de vigilância sanitária estaduais podem importar ou exportar medicamentos e insumos farmacêuticos.
“A redação sugerida permite que tal importação seja realizada por qualquer pessoa jurídica de direito privado, ao contratarem estabelecimentos de saúde privados autorizados, como hospitais, farmácias e clínicas de vacinação, para que realizem a importação das vacinas contra a Covid-19”, diz o relatório.
Outros pontos do projeto
Autoridades estrangeiras: o texto permite que as empresas adquiram não apenas vacinas que tenham autorização ou registro na Anvisa, como também as vacinas autorizadas por órgãos sanitários estrangeiros reconhecidos e certificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
- Multas: descumprimento das exigências pode levar à multa equivalente a dez vezes o valor gasto na aquisição de vacinas.
- Aplicação das doses: as vacinas devem ser aplicadas em qualquer estabelecimento ou serviço de saúde que tenha sala para aplicação de injetáveis autorizada pelo serviço de vigilância sanitária local.
- Sindicatos e cooperativas: o texto prevê, ainda, a possibilidade de associações, sindicatos e cooperativas adquirirem vacinas para distribuição, administração e imunização de seus associados ou cooperados.
Discussão
Celina Leão defendeu em plenário que o projeto é uma forma de mitigar os danos à economia do país. Segundo ela, o texto não traz “inovação legislativa”, apenas retira a “trava jurídica” que exige a utilização pela iniciativa privada após a imunização dos grupos prioritários.
“Hoje a lei é cínica, o que é uma lei cínica? Ela foi aprovada, nós permitimos o particular comprar, mas ela é inexequível, só pode comprar depois de os prioritários serem imunizados”, disse Celina.
Autor do projeto, Hildo Rocha (MDB-MA) negou que o projeto “fura a fila” da vacinação, como argumentam os críticos da proposta.
“A cada um que uma empresa vacinar, retiram-se dois da fila do SUS, retiram-se dois da fila do Plano Nacional de Imunização. É isso o que as pessoas têm que compreender”, disse.
Ex-ministro da Saúde, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) criticou a proposta e disse que ele retira oportunidades de vacinas para o SUS e reserva os imunizantes para “quem tem dinheiro para comprá-los”.
“Isso pode criar a situação absurda de atrasar ainda mais o Programa Nacional de Vacinação do nosso país, porque o governo federal, os governos estaduais e municipais vão perder oportunidade de comprar essas vacinas. Ao mesmo tempo, vai fazer com que pessoas furem a fila da vacinação”, argumenta.
Segundo o líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), a proposta pode aumentar o valor dos imunizantes.
“O que está faltando não é dinheiro do governo para comprar vacinas, o que está faltando é quem forneça as vacinas”, disse.
“Abrindo para o mercado privado, o preço da vacina vai subir porque mais gente estará querendo comprar. E se o preço não subir, evidentemente, quem pagar mais terá prioridade na entrega. Ou alguém tem duvida que os laboratórios vão fornecer com mais agilidade para aqueles que pagarem mais caro?”, prosseguiu.