Oito artistas contemporâneos mostram em xilogravuras, escultura, instalações, fotografia e grafite suas obras inspiradas em cenários abandonados da paisagem bauruense, de 11 a 31 de agosto, no Museu Histórico Municipal
Quando se fala em fósseis, logo vem em mente os restos de plantas ou animais depositados nas camadas de sedimentos da superfície terrestre e preservados com o passar dos anos, em especial os dinossauros. Mas o que pouca gente sabe é que cidades têm seus fósseis, como ruínas de construções, monumentos ou edifícios abandonados e lugares de memória. Bauru é uma delas. No mês de seu 128º aniversário, Bauru descobrirá seus próprios “Fósseis Urbanos”, nome da exposição de artes que acontece de 11 a 31 de agosto, no Museu Histórico Municipal, na Rua Rio Branco 3-16, Centro.
Com o acompanhamento crítico-curatorial da Profa. Dra. Regilene Sarzi Ribeiro, coordenadora do Laboratório de Estudos da Imagem (labIMAGEM), da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Unesp, oito artistas foram convidados a explorar os cenários esquecidos ou negligenciados da cidade, fazendo uma imersão nela para desenvolverem obras inéditas: Edmar Almeida (Franco da Rocha), Fernando Limberger (São Paulo), João Risu (Bauru), Jp Accacio (São Paulo), Marcelo Bressanin (Bauru), Mari Monteiro (Bauru), Marília Vasconcellos (Uchoa) e Renato Almeida (São Paulo).
“Por meio de interpretações artísticas, ‘Fósseis Urbanos’ pretende ressignificar os chamados ‘espaços estagnados’ de um passado recente, encravados na área urbana e que perderam, aos poucos, contato com a experiência social dos moradores de Bauru. Na exposição, o público pode percorrer a cidade de forma poética, em diferentes linguagens artísticas, e permeada por suas experiências individuais, num exercício de atualizar lembranças e de reconstruir itinerários na paisagem bauruense e memórias que cada um tem dela”, explica Regilene.
A antiga sede do INSS, no centro da cidade, inspira Edmar Almeida. Na série de xilogravuras “Elefante Branco”, ele explora os elementos gráficos e texturas presentes no prédio, bem como as marcas da degradação trazidas pelo abandono de anos: rachaduras, vidros quebrados e outros sinais da “fossilização” daquele que é um dos marcos da arquitetura modernista em Bauru.
Já Fernando Limberger se debruça sobre os fósseis da vegetação urbana da cidade. Na instalação escultórica “Sítio”, removeu de uma de suas ruas um tronco fossilizado de uma árvore, que foi deslocado para o pátio do museu. Nele, o tronco foi associado ao anel em cantaria remanescente de uma antiga fonte d’água, removida com o tempo e não mais existente no local. Numa reflexão sobre natureza e urbanização, a obra se completa com a junção entre esses dois elementos por meio de uma superfície de areia tingida na cor vermelha.
Jp Accacio, por sua vez, na instalação “Hic Finis Doloris Vitae” (“Aqui Terminam as Dores da Vida”, na tradução do latim para português), adesiva uma das janelas do museu em alusão aos vitrais policromáticos da igreja do antigo Asilo Colônia Aimorés, que se inspirou sua obra. Ao lado da vidraça colorida, há 15 montagens fotográficas elaboradas a partir de registros imagéticos da cidade. “Associadas, as duas intervenções estabelecem conexões com o uso das transparências e sobreposições que revelam ou desvelam certos assuntos, bem como uma expansão da forma: enquanto nas sobreposições fotográficas pode-se imaginar o que está sendo observado, no caso da janela colorida é a luz que se expandirá para dentro do espaço expositivo”, pontua o artista.
Uma outra instalação, “Memória Fantasma”, de João Risu, transpõe a arte mural do grafite para uma peça tridimensional na qual agrega elementos icônicos da memória bauruense, gerados por imagens ficcionais, representações gráficas de relatos orais e históricos e referências a registros fotográficos.
Marcelo Bressanin, que vivenciou na década de 1980 o espaço da exposição como aprendiz administrativo da antiga Ferrovia Paulista S/A (Fepasa), leva ao público a sua obra “Memórias em trânsito”, instalação que agrega uma peça sonora multicanal criada a partir do sampleamento de equipamentos de escritório do acervo do museu e de trechos de depoimentos de ex-ferroviárias. Segundo o artista, as sonoridades, apresentadas em um escaninho de correspondências da ferrovia, remetem ao ir e vir de lembranças, transitando entre o antigo e o atual, entre as lembranças e a memória.
Inspirada pelos trilhos e vagões abandonados no verdadeiro “cemitério de trens” que se tornou a Estação de Triagem, no Jardim Guadalajara, e pela forma como o abandono e o desgaste natural do tempo transformaram aqueles materiais, Mari Monteiro desenvolve a escultura “Tempo e Memória”, mesclando sua caligrafia com os restos da ferrovia. “Com partes mais abstratas e outras mais legíveis de meu grafite, proponho um encontro caótico entre pessoas e sentimentos, mimetizando o tempo em ferrugem, por meio de processos de oxidação”, diz a artista.
Com três diferentes propostas, Marilia Vasconcellos transita por diferentes aspectos da memória bauruense. Em “Espólio”, recupera o universo da prostituição feminina no famoso bordel da Eny por um relicário de artefatos verdadeiros e inventados, embebidos de fantasias intimas. Já em “Apagamento”, reproduz em argila crua pares de sapato inspirados nos calçados individualmente manufaturados para amenizar os graves sintomas dos pacientes de hanseníase do Hospital Lauro de Souza Lima. Finalmente, com “Fóssil”, se apropria de texturas de edifícios icônicos de Bauru, de forma a produzir uma escultura híbrida, tátil, que remete à sensação simbólica de um edifício escavado.
Renato Almeida completa o time de artistas da exposição com “Coleções/Cartografias: Bauru-Fóssil”. Em sua obra, explora narrativas cartográficas que consistem em coletar, organizar e apresentar objetos encontrados durante caminhadas ativas pelos espaços urbanos, trazendo informações gráficas – como desenhos, fotografias, mapas, anotações, textos – e relacionando-os poeticamente a partir de sua constituição formal, simbólica ou funcionalidade. “Esses artefatos contam a história de trajetos percorridos por um corpo que vivencia o espaço urbano, onde ora deixa rastros, ora coleta materiais, considerando a relação do indivíduo com a cidade que habita, o sentimento de pertencimento e as possíveis formas de existência nela”, afirma ele.
“Fósseis Urbanos” foi contemplado pelo edital ProAC, da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, tem apoio do labIMAGEM da FAAC/Unesp e da Prefeitura Municipal de Bauru por meio da Secretaria Municipal de Cultura, do Museu Histórico Municipal de Bauru, do Departamento de Proteção do Patrimônio Cultural (DPPC) de Bauru, e realização da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas.
Além da exposição inédita apresentada no Museu Histórico Municipal de Bauru, o projeto também disponibiliza oficinas gratuitas e com vagas limitadas ao público. Para conhecer a programação completa, clique aqui.
SERVIÇO
Evento: “Fósseis Urbanos: das Condições Para a Sobrevivência da Memória”
Website: www.fosseisurbanos.com.br
Abertura: 10 de agosto de 2024, 14h
Visitação: de 11 a 31 de agosto de 2024, segunda-feira a domingo, das 10 às 17h
Local: Museu Histórico Municipal de Bauru, Rua Rio Branco 3-16, Centro
Ingresso: Entrada franca