Revista Atenção

Análise: o que o mundo pode esperar do rei Charles III

Após a morte de sua mãe, Elizabeth II, Charles ascendeu ao trono britânico depois de mais de 70 anos como primeiro na linha sucessória

Em um comunicado divulgado logo após o anúncio oficial da morte da rainha Elizabeth II, Charles descreveu a morte de sua “amada” mãe como “um momento de maior tristeza para mim e para todos os membros da minha família”. Os próximos dias serão um período em que Charles assume seus novos deveres e lamenta uma grande perda pessoal.

Depois de uma vida inteira aos olhos do público, ele é uma figura familiar para muitos no Reino Unido e em todo o mundo. Mas ninguém ainda sabe que tipo de monarca o rei Charles III – título que ele assumiu, encerrando anos de especulação – se tornará.

Como correspondente da CNN acompanhando a Família Real britânica, fiz reportagens sobre o novo rei da Grã-Bretanha por muitos anos e viajei pelo mundo com ele.

A melhor percepção que tive foi quando fui convidado com um grupo de outros jornalistas para a Dumfries House, sua mansão perto de Glasgow, na Escócia, em 2018, antes de seu aniversário de 70 anos. Passei dois dias lá e tive acesso incomum a Charles e pessoas próximas a ele. Fui presenteado com passeios pela propriedade, chá da tarde, jantares e uma espetacular apresentação de gaita de foles ao lado de uma lareira.

A mansão é o lugar que reúne tudo de importante para o novo rei, todas as suas maiores paixões e causas – da música à proteção de espécies raras, aprendizado para jovens desfavorecidos e agricultura orgânica. Toda a propriedade estava fervilhando de atividade, e eu pude ver a emoção que deu a ele andar por aí e fazer perguntas a sua equipe.

Todas as sextas-feiras à noite, onde quer que esteja no mundo, Charles recebe um relatório robusto atualizando-o sobre o trabalho da propriedade e o devolve no sábado de manhã com notas. Sua esposa Camilla lhe dirá que ele fica acordado até tarde todas as noites lendo, escrevendo e respondendo a pedidos de apoio e conselhos.

Enquanto muitos de seus antecessores viam o papel do príncipe de Gales como aproveitar um ingresso para um estilo de vida playboy e uma renda garantida, Charles fez de tudo para ser visto como profissional. Ele queria um legado, mas não queria esperar até ser rei. Ao meu ver, ele é impaciente e motivado, e fica incrivelmente frustrado se um de seus projetos não estiver funcionando ou dando frutos.

“Os sinais estavam lá desde o início da idade adulta”, disse-me Kenneth Dunsmuir durante a visita à Dumfries House. Dunsmuir administra a The Prince’s Foundation, uma instituição de caridade educacional criada por Charles para ajudar a ensinar artes e habilidades. “Suas preocupações com questões sociais na comunidade e questões ecológicas estavam todas lá e tudo o que aconteceu é que ele se envolveu cada vez mais e teve tempo para fazer isso.”

Dumfries House, sede da Prince's Foundation, na Escócia
Dumfries House, sede da Prince’s Foundation, na Escócia (Reprodução/Facebook)

O comentário de Dunsmuir aponta para outra razão pela qual Charles alcançou tanto durante seu mandato: ele foi o príncipe de Gales mais antigo de todos os tempos devido à longevidade do reinado de sua mãe. Dunsmuir pensa na Dumfries House, disse ele, como um “fantástico legado físico para esse trabalho que sempre estará aqui e sempre permanecerá”.

Charles muitas vezes lutou para conter sua paixão por seu trabalho, expressando suas esperanças e medos durante discursos ao longo dos anos e muitas vezes soando mais como um ativista do que um monarca constitucional em espera. Isso gerou acusações de que ele estava ameaçando a independência e a imparcialidade da monarquia. Veja a mudança climática, sobre a qual ele vem se manifestando desde 1968. Desde então, tornou-se uma questão dominante e, para alguns, política. Charles foi um importante apoiador do Acordo Climático de Paris de 2015 e discutiu o assunto com Donald Trump durante um chá em dezembro de 2019, enquanto o então presidente se preparava para retirar os Estados Unidos do pacto.

No mês seguinte, no Fórum Econômico Mundial de 2020 em Davos, na Suíça, Charles fez um discurso poderoso, perguntando: “Queremos entrar para a história como as pessoas que não fizeram nada para trazer o mundo de volta a tempo de restaurar o equilíbrio quando poderíamos ter feito? Eu não quero.

Sentei-me com Charles para uma entrevista naquele dia e ele insistiu que o Acordo de Paris ainda era viável. “Não podemos continuar assim, com cada mês mais um recorde de temperaturas sendo quebrado. Se deixarmos muito tempo, e fizemos, apenas crescer as coisas vai se tornar difícil”, disse ele.

Apesar das críticas – e às vezes ridicularizações – sobre sua luta para ser o guerreiro ecológico da realeza, Charles continuou sendo um pioneiro em questões relacionadas ao meio ambiente nos últimos anos.

Charles estava na Cúpula da COP26 em Glasgow em novembro de 2021, onde implorou aos países que trabalhassem com as indústrias para criar soluções para as mudanças climáticas.

Charles passou toda a sua vida se preparando para assumir o trono e provou, sem sombra de dúvida, de que não trabalhará timidamente (REUTERS/Toby Melville/Pool)

“Sabemos que isso levará trilhões, não bilhões, de dólares”, disse ele na época. As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam uma grande ameaça e o mundo deve entrar em “pé de guerra” para combatê-las, acrescentou.

O presidente dos EUA, Joe Biden, comentou os esforços de décadas de Charles no evento, elogiando-o ao dizer que ele enfrentou “o caos todo acontecendo” e “foi assim que tudo começou”.

Charles foi franco em toda uma gama de questões delicadas, desde culturas geneticamente modificadas até medicamentos homeopáticos e arquitetura. Isso o tornou uma figura mais enfática do que sua mãe, que mal esboçou uma expressão durante seu reinado, muito menos expressou uma opinião. A lendária capacidade de Elizabeth de não ofender e alienar era mais estratégica do que muitos imaginam, mas Charles sempre insistiu que pretende seguir seu exemplo e parar de se intrometer quando assumir o trono.

Charles, fotografado com Camilla, profissionalizou o papel de Príncipe de Gales e o tornou seu (Reprodução)

Em 2018, Charles disse à BBC: “A ideia, de alguma forma, de que eu vou continuar exatamente da mesma maneira, se eu chegar ao trono, é um completo absurdo porque as duas – as duas situações – são completamente diferentes.” Quando perguntado especificamente se suas lutas continuariam, ele disse: “Não, não vai. Eu não sou tão estúpido.”

Em todas as conversas que tive com membros da família e seus assessores, nunca se falou do príncipe William, mais popular, saltando seu pai para o trono.

Charles passou a vida inteira se preparando para ser soberano e provou, sem sombra de dúvida, que não é tímido no trabalho. Enquanto isso, William nunca teve pressa de assumir a coroa, preferindo construir seu portfólio real de forma constante, concentrando-se em sua jovem família e desenvolvendo seu próprio conjunto de interesses e causas.

Charles e William se uniram pessoal e profissionalmente quando o príncipe Harry dispensou seus deveres reais em 2020, deixando a realeza sênior restante como um grupo muito mais compacto. A relação entre o novo rei e seu herdeiro será agora fundamental para a estabilidade futura da monarquia, assim como a dinâmica entre o novo rei e sua esposa.

Eu vi a torre de apoio que Camila sempre foi para Charles. Eu vi o quão rebelde e frustrado ele pode se tornar quando enfrenta um obstáculo em seu trabalho, e ela tem um talento único para dissipar qualquer tensão com um senso de humor e carisma que não aparece na câmera.

Em 2015, sentei-me com Charles em outra de suas residências na Escócia – Birkhall. Foi para marcar o décimo aniversário de casamento do casal antes de uma turnê pelos EUA.

Ele me disse: “É sempre maravilhoso ter alguém que, você sabe, você sente que entende e quer encorajar. Embora ela certamente zombe se eu levar as coisas muito a sério. E tudo isso ajuda.”

Após a entrevista, fui com ele para uma sala de estar onde Camilla se juntou a nós enquanto esperávamos que as câmeras se preparassem para algumas tomadas. Camilla estava perguntando como foi e brincando sobre nossas roupas, e ele ficou imediatamente mais relaxado na companhia dela. Sua capacidade de manter a estabilidade em um cômodo agora se tornou um patrimônio nacional, como esposa do chefe de Estado do país – e símbolo de estabilidade.

Com Camilla firmemente ao seu lado, Charles agora deixará sua marca na monarquia. Depois de décadas de espera, ele não é apenas chefe de Estado do Reino Unido, mas também de 14 outras nações, incluindo Canadá e Austrália. Os olhos do mundo estão sobre ele enquanto ele assume o manto de rei.

FONTE: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-o-mundo-pode-esperar-do-rei-charles-iii/

Sair da versão mobile