A questão não é se fomos expostos ao vírus, e sim o quanto

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A worker in protective suit uses a thermometer to check the temperature of a man while he enters the Xizhimen subway station, as the country is hit by an outbreak of the new coronavirus, in Beijing, China January 27, 2020. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Uma quantidade pequena de partículas virais não fará você adoecer — o sistema imunológico as eliminaria antes que causassem algum estrago. Mas qual é a intensidade da exposição ao vírus necessária para a infecção?

Quando os especialistas recomendam o uso de máscaras, uma distância de pelo menos 1,8m entre as pessoas, lavar as mãos com frequência e evitar espaços fechados, o que estão dizendo na verdade é: tente minimizar a intensidade da sua exposição ao vírus.

Uma quantidade pequena de partículas virais não fará você adoecer — o sistema imunológico as eliminaria antes que causassem algum estrago. Mas qual é a intensidade da exposição ao vírus necessária para a infecção? Qual seria sua menor dose efetiva?

É impossível responder com precisão, pois é difícil capturar o momento do contágio. Os cientistas buscam pistas nos furões, hamsters e camundongos, mas não seria ético expor seres humanos a diferentes doses do coronavírus, como é feito com os vírus de gripes mais leves.

“A verdade é que simplesmente não sabemos”, disse Angela Rasmussen, virologista da Universidade Columbia, em Nova York. “Nossa melhor resposta seria, no máximo, um bom palpite.”

Os vírus respiratórios comuns, como o influenza e outros tipos de coronavírus, devem servir de indicação. Mas os pesquisadores encontram muitas inconsistências.

No caso da síndrome respiratória aguda grave (SARS), também causada por um coronavírus, estima-se que a menor dose efetiva seja de algumas centenas de partículas. No caso da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), a menor dose efetiva é muito maior, na casa das milhares de partículas.

O novo coronavírus, SARS-CoV-2, é mais semelhante ao vírus causador da SARS e, portanto, a dose contagiosa pode ser de algumas centenas de partículas, disse Angela.

Mas o vírus tem mostrado um hábito de frustrar as previsões.

coronavírus manaus
Paciente com coronavírus é tratado no Hospital Municipal de Campanha Gilberto Novaes, em Manaus Foto: Raphael Alves/ EFE

Em geral, as pessoas infectadas com um grande volume de patógenos — seja influenza, HIV ou SARS — tendem a apresentar sintomas mais graves e maior probabilidade de transmitir o patógeno aos demais.

Mas, no caso do novo coronavírus, pessoas que não apresentam sintomas parecem apresentar alta carga viral — ou seja, é grande a presença do vírus em seus corpos — comparável à de pacientes graves, de acordo com alguns estudos.

E os pacientes do coronavírus são mais contagiosos dois ou três dias antes do início dos sintomas. Depois que ficam doentes, o risco parece diminuir.

Algumas pessoas são transmissoras generosas do coronavírus; outras parecem mais seletivas. Os chamados superdisseminadores parecem ter um dom para contagiar os demais, mas ainda não está claro se isso é consequência do seu comportamento ou de algum fator biológico.

Para quem se expõe, o formato das narinas e a quantidade de muco e pelos nasais parece fazer diferença, bem como a distribuição de determinados receptores celulares nas vias aéreas aos quais o vírus precisa se prender.

Mas é claro que doses maiores são piores, e talvez isso explique porque funcionários de saúde mais jovens sucumbiram à doença, mesmo considerando que o vírus costuma afetar os mais velhos.

A dose crucial também pode variar dependendo do contato por ingestão ou inalação.

As pessoas podem contrair o vírus ao tocar em uma superfície contaminada e, em seguida, colocar as mãos no nariz ou na boca. Mas “acreditamos que não seja essa a principal forma de transmissão do vírus”, de acordo com os Centros para a Prevenção e Controle de Doenças.

Para essa forma de transmissão podem ser necessárias milhões de cópias do vírus para que a infecção ocorra, muito mais do que no caso da inalação.

Quando uma pessoa doente tosse, espirra, canta e fala, ou mesmo quando tem a respiração ofegante, ela expulsa do sistema respiratório milhares de partículas maiores e menores, todas carregando o vírus.

“Está claro que a pessoa não precisa estar doente, tossindo e espirrando para que o contágio ocorra”, disse o Dr. Dan Barouch, imunologista viral do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Boston.

As partículas maiores são pesadas e logo flutuam até o chão — a não ser que sejam transportadas pelo vento ou pelo ar-condicionado — além de não penetrarem nas máscaras cirúrgicas. Mas os chamados aerossóis, gotículas com diâmetro inferior a 5 microns, podem permanecer no ar por horas.

“Eles viajam mais, duram mais tempo e são potencialmente mais infecciosos do que as gotículas maiores”, disse o Dr. Barouch.

Três fatores parecem ser particularmente importantes para a transmissão via aerossol: proximidade com a pessoa infectada, fluxo de ar e sequência dos acontecimentos.

Um banheiro público sem janelas com alto número de usuários é mais arriscado do que um banheiro com janela, ou um banheiro usado raramente. Uma breve conversa fora de casa com um vizinho de máscara é muito menos arriscada do que essas situações.

Recentemente, pesquisadores holandeses usaram um spray especial para simular a expulsão de gotículas de saliva, rastreando seu movimento. Os cientistas descobriram que basta abrir uma porta ou a janela do carro para que os aerossóis se dispersem.

“Qualquer brisa já ajuda”, disse Daniel Bonn, médico da Universidade de Amsterdã e principal responsável pelo estudo.

Observações feitas em dois hospitais em Wuhan, China, publicadas em abril na revista Nature, determinaram basicamente a mesma coisa: foram encontradas mais partículas aerossóis em banheiros sem ventilação do que em quartos de pacientes mais arejados ou em áreas públicas lotadas.

De acordo com os especialistas, isso faz sentido. Mas, por terem diâmetro inferior a 5 microns, esses aerossóis também conteriam muito menos partículas virais (talvez um milhão de vezes menos) do que gotículas com diâmetro de 500 microns.

“Na verdade, são necessárias muitas dessas partículas menores para que o fator risco se altere”, disse o Dr. Joshua Rabinowitz, biólogo quantitativo da Universidade Princeton.

Além de evitar espaços fechados e lotados, a medida mais eficaz que as pessoas podem adotar é o uso de máscaras, de acordo com todos os especialistas. Ainda que as máscaras não ofereçam proteção completa contra as gotículas carregadas com o vírus, elas podem reduzir a carga recebida e, possivelmente, mantê-la abaixo da dose contagiosa.

“Diante desse vírus, parece que lavar as mãos não será o bastante”, disse Rabinowitz. “Temos que limitar as aglomerações, temos que usar máscaras.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Fonte: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,a-questao-nao-e-se-fomos-expostos-ao-virus-e-sim-o-quanto,70003322709

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