Somos um dos únicos países do mundo que ainda não tem um sistema de cadastro positivo moderno e eficiente que qualifique os consumidores pelo seu histórico como pagador e tomador de crédito. Segundo dados do Banco Mundial, mais de 120 países têm um registro positivo dos consumidores para dar suporte ao mercado de crédito. As pessoas ganham notas para seu comportamento ao longo do tempo e carregam esta informação como uma medalha de reconhecimento.
Com a evolução da tecnologia e da mobilidade, as informações sobre histórico de pagamento não são mais exclusivas do sistema financeiro tradicional. Aliás, atualmente os bancos dizem muito menos sobre as pessoas do que a conta do telefone celular. No Brasil, por exemplo, cerca de 140 milhões de pessoas têm uma conta em banco e, até junho de 2017, mais de 202 milhões de celulares tinham acesso à internet. E esta diferença acontece em vários lugares do mundo, mais ainda em países em desenvolvimento onde a bancarização não alcançou a grande maioria da população.
Naqueles 120 países que já adotam um cadastro positivo, a conta de celular está sendo amplamente usada para qualificar o comportamento de um consumidor. Assim como contas de água, gás, aquelas que pagamos usualmente. Como elas podem dizer algo sobre mim? Porque, no fundo, elas são resultado de uma operação de crédito entre mim e a operadora do serviço. Eu consumo e depois pago. A lógica é a mesma com os bancos onde consumimos o ‘dinheiro’ e depois pagamos os juros, que também são chamados de ‘serviço da dívida’.
Dos efeitos esperados pelo cadastro positivo, os mais importantes são altamente desejáveis para um país do nosso tamanho: aumento da concessão de crédito, queda da taxa de juros, queda da inadimplência, aumento da concorrência no sistema financeiro, educação financeira, inclusão social. Isto para ficar apenas nos efeitos diretos do sistema. Os indiretos começam pelo crescimento da economia, passam pela geração de empregos e ainda melhoram a qualidade de vida das pessoas.
O debate sobre cadastro positivo no Brasil não é novo e já temos uma lei que implementou o sistema em 2012. O problema é saber que praticamente nada mudou. Isto porque o nosso modelo é genuinamente diferente daqueles adotados em outros lugares, um tipo “jabuticaba”. Além disso, ou por causa disso, a adesão foi, até agora, absolutamente desprezível: apenas 6 milhões de pessoas estão registradas e têm seu histórico qualificado e disponível.
A Lei 12414, que criou o cadastro positivo, veio com ‘jabuticabas’ que comprometeram a eficiência esperada. A começar pela necessidade de cada um de nós ter que autorizar o compartilhamento das nossas informações e a qualificação do nosso histórico de pagamento. Para isso dar certo é preciso ter conhecimento sobre o sistema e, mais importante, confiança nele. A nossa cultura de ‘nome sujo’ deixou muita gente com pé atrás, até porque, as mesmas empresas que marcam a pessoa no vermelho, agora oferecem o cadastro positivo.
Um segundo entrave foi a chamada responsabilidade solidária exigida pelas entidades de proteção ao consumidor. Se algo der errado com os dados compartilhados de alguém, o prejudicado pode escolher a quem culpar pelo erro. Como os bancos estão no grupo e são os mais fortes da cadeia, é mais provável que eles tenham que arcar com a culpa, mesmo que não tenham cometido o erro. Isto gera um passivo antecipado, que nenhuma instituição financeira quer assumir. A lei também não permite que operadoras de telefonia cedam informações.
Para ocupar o mercado, surgiram os birôs de crédito, que são as empresas que abrigam, qualificam e preparam as informações que foram repassadas pelos bancos e pelas demais fontes possíveis. Estas empresas atuam como um elo entre os consumidores e os varejistas, ou qualquer outro agente no mercado que esteja prestes a conceder crédito. São os birôs que dão as ‘notas’ para os cadastrados, baseadas no comportamento ao longo do tempo e de várias operações, não apenas num evento específico.
O que aconteceu, então, desde a implementação da lei? Diante dos riscos e da baixíssima adesão, os bancos, que detêm a maior base de dados, não fizeram esforço para estimular seus clientes a autorizarem a participação no cadastro positivo. Os consumidores, escaldados pelo ‘nome sujo’, também não viram benefícios na adesão. O cadastro positivo brasileiro empacou e não conseguiu provocar nenhum dos efeitos positivos esperados e comprovados nos 120 países que já o adotam.
Agora há uma nova lei em discussão no Senado que deverá substituir a de 2012. O projeto, que pode ser votado em plenário já nas próximas semanas, tira as jabuticabas do caminho e aproxima o modelo brasileiro dos aplicados mundo a fora. Para explorar o tema e entender o que pode mudar o atual cenário, o Blog ouviu três lados do debate sobre o cadastro positivo: o Banco Mundial, o Banco Central e um birô de crédito, o Boa Vista SCPC.