Ao todo, foram encontradas 383 partículas plásticas no trato gastrointestinal e em brânquias de 67 de 68 peixes coletados em riachos de comunidades ribeirinhas no Pará.
Um estudo realizado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) encontrou, em média, seis pedaços de plástico dentro do corpo de 98% dos peixes coletados por um grupo de pesquisadores em nascentes e riachos da Amazônia.
Ao todo, foram encontradas 383 partículas plásticas, sendo 201 no trato gastrointestinal e 182 em brânquias (órgão respiratório de animais aquáticos, também conhecido como guelras) de 67 dos 68 peixes analisados pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Ecologia e Conservação (Labeco), da UFPA.
Pesquisadores afirmam que a ingestão de plástico pode provocar mortandade desses peixes ou afetar a reprodução deles e levar ao desequilíbrio da cadeia alimentar; ou mesmo que esse material sintético pode, em última análise, parar no corpo humano.
Esse tipo de poluição dá sinais de estar espalhado por toda a bacia amazônica. Em janeiro de 2019, um grupo de pesquisadores liderados pelo ictiólogo Marcelo Andrade, também ligado à UFPA, identificou pela primeira vez a presença de plástico em peixes amazônicos. Na ocasião, eles encontraram partículas no trato gastrointestinal de quase 25% dos peixes coletados no rio Xingu, incluindo a piranha-vermelha (Pygocentrus nattereri).
Um estudo publicado na revista Nature Communications em junho de 2017 estima que sejam despejadas no oceano 39 mil toneladas de plástico por ano via rio Amazonas — que passa por Peru, Equador, Colômbia e Brasil.
Desequilíbrio ecológico
Estudos anteriores já haviam investigado esse tipo de poluição em peixes que vivem em outros locais do curso da água, como rios e oceanos, e são consumidos pelo homem.
A diferença desse trabalho, feito por um grupo de pesquisadores de peixe de água doce e publicado em julho na revista científica Environmental Pollution, é apontar a extensão dos danos ao sistema respiratório dos animais e que esse problema ambiental atinge com mais intensidade nascentes de rios e riachos, onde os peixes têm, em média, 10 cm na fase adulta, não costumam ser consumidos pelo homem e enfrentam riscos maiores de desequilíbrio ecológico.
Foram analisadas 14 espécies de peixe coletadas em 12 locais na bacia do rio Guamá, no município paraense de Barcarena, e na bacia do Acará-Capim, nos municípios de Ipixuna do Pará, Concórdia do Pará e Tomé Açu.
Essas duas regiões ribeirinhas não têm tratamento de esgoto e utilizam essas nascentes e riachos tanto como espaço de lazer quanto para descartar dejetos.
Nesses lugares, esses peixes menores têm papel fundamental no equilíbrio ecológico da região. Eles podem ser predadores responsáveis, por exemplo, pelo controle de insetos ou servir de alimento para sapos.
“Sem a presença no futuro de uma dessas espécies que consomem larvas de insetos, por exemplo, poderia haver a explosão de uma população de mosquitos e o espalhamento desenfreado de doenças”, explica a pesquisadora Danielle Ribeiro-Brasil, uma das autoras do artigo e integrante do grupo de pesquisa da UFPA, em entrevista à BBC News Brasil.
Um dos animais estudados é o Crenicichla regani, conhecido também como jacundá ou joaninha. Os peixes dessa espécies são predadores que se alimentam de pequenos crustáceos e larvas de insetos e podem demonstrar um comportamento agressivo. Com boa visão noturna, muitas vezes se alimentam no escuro e às vezes nem são percebidos pelas pessoas no ambiente, já que não costumam passar de 8 cm de comprimento na fase adulta.
Essa espécie, analisada no estudo da UFPA, continha mais plástico em suas brânquias e em seu trato gastrointestinal que as outras.
Segundo ela, os próximos estudos vão analisar o impacto dessa poluição para a perda de espécies ou diminuição dessas comunidades. Deve-se analisar também a origem dessas partículas, mas a principal hipótese é que esses pedaços achados em riachos e nascentes amazônicas tenham saído de roupas sintéticas. Do total, 93% das partículas encontradas nos animais são fibras.
Em geral, essas partículas são originárias de fontes diversas, como roupas, pneus, tintas e escovas de dente. Calcula-se que entre 2% e 5% de todo o plástico produzido por ano acabe descartado nos mares, mas não se sabe direito qual é a dimensão real do problema.
Um estudo do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido, divulgado nesta semana, estima que a quantidade de plástico boiando no oceano Atlântico seja capaz de encher mais de mil navios-cargueiros, somando 21 milhões de toneladas (uma quantidade dez vezes maior do que se pensava).
À medida que esses materiais vão se deteriorando, acabam sendo consumidos por animais marinhos, entrando na cadeia alimentar — um caminho que, em última instância, traz o plástico para o organismo humano.
Nesta semana, um outro estudo, de pesquisadores da Universidade do Arizona, nos EUA, apontou pela primeira vez micropartículas plásticas em tecidos de pulmão, fígado, rim e baço humanos.
Ainda não há informações conclusivas sobre o impacto desse tipo de poluição na saúde das pessoas, mas já se sabe o que a presença de plástico dentro do corpo pode causar aos peixes.
Essas partículas podem atacar dois pontos centrais dos peixes em riachos: as brânquias e o trato digestivo. No primeiro, o plástico interfere na aptidão física do animal, afetando sua energia para a captura de alimentos e para a reprodução. No segundo, essas partículas podem dar uma falsa sensação de saciedade ao peixe ou mesmo feri-lo até a morte.
Segundo o estudo, os peixes que vivem nesses riachos analisados consomem proporcionalmente mais plástico do que os encontrados em rios.
“Não é todo peixe que ingere o plástico. Isso está relacionado também ao comportamento dele no ambiente. Se é carnívoro, por exemplo, faz uma busca ativa por alimentos e pode confundir o pedaço de plástico com algo que possa comer”, afirma Ribeiro-Brasil.
Outros estudos apontam que esses plásticos são ingeridos por algumas espécies não apenas porque se parecem com comida mas também porque cheiram a comida.
Segundo cientistas do Instituto Real Holandês de Pesquisas Marítimas, essas partículas de plástico no oceano são rapidamente colonizadas por uma fina camada de micróbios, normalmente chamada de “plastisfério”, que libera substâncias químicas que fazem o plástico ter cheiro e gosto de alimento para alguns animais marinhos.
Para o grupo de pesquisadores da UFPA, as ações para evitar o aumento da contaminação por plástico da bacia Amazônica demandam o envolvimento da população local, iniciativas de educação ambiental de manejo dos resíduos sólidos e o engajamento de instituições públicas e privadas, entre outros pontos.
Eles defendem, por exemplo, medidas de incentivo para a redução do consumo de plásticos de uso único, como cotonetes e canudos, e de regulação para garantir a preservação desses ecossistemas atingidos pela poluição.