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Em 2011, prefeitura pagou R$ 1 milhão por lote, mas laudo apontou metade do valor

Proprietário ofereceu área rural para quitar débitos tributários só que avaliação interna inicial rejeitou gleba e apontou preço de R$ 565 mil
Por Nelson Gonçalves – Jornal da Cidade

 

A Prefeitura de Bauru pagou R$ 1,054 milhão por uma gleba de seis alqueires na zona rural como quitação de dívida tributária (chamada dação em pagamento), depois que a própria administração apontou na origem avaliação da mesma área por R$ 565 mil e rejeitou a operação. O processo tramitou entre setembro de 2011 e julho de 2012. A apuração foi levantada pelo JC na esteira de indenizações milionárias em discussão em razão de precatórios julgados contra o município.

A entrega de lote como quitação de débito por contribuintes está prevista em lei. Conforme o rito interno para casos assim, a aceitação da área (interesse público) e o valor devem ser submetidos a uma comissão específica, composta por membros de três secretarias (Semma, Seplan e Finanças).

Mas a reportagem apurou que, além da mudança em relação à discrepância de valor pela gleba e sua recusa inicial, a prefeitura inverteu o andamento do procedimento e, após o acordo assinado durante o governo Rodrigo Agostinho, mudou a posição e aceitou a área por R$ 1,054 milhão.

É o que está no processo municipal 50.061/11. O JC apurou que em 16 de setembro de 2011, o empresário João Parreira de Miranda ofereceu ao município o lote de matricula 81.681 no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Bauru, cuja área faz divisa com outra da Cohab, atrás de onde hoje está sendo construída a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Distrito Industrial. A Secretaria Municipal de Finanças apontou, em 26/12/2011, dívida de tributos municipais pelo interessado totalizando R$ 1.064.138,41.

Neste processo, a administração municipal inverteu o rito normal. O então secretário Municipal dos Negócios Jurídicos, Maurício Porto, manifestou, em 28/12/2011, pela realização de acordo condicionado. Ou seja, a aceitação da gleba (definição de interesse público) pelo município e a apuração do valor ficariam condicionados a posterior análise interna.

Porto justificou, em seu parecer, que o interessado perderia a condição estabelecida pela Lei de Refinanciamento Fiscal (Refis), com benefícios relativos a redução de juros e correção para quitação de débitos cm o governo. O Refis venceria em seguida e, a dois dias do término “administrativo e fiscal” do ano de 2011, antecipar o pagamento e liquidação da dívida de tributos foi o encaminhamento dado pelo então secretário.

Assim, em 29/12/2011, o empresário quitou o equivalente a R$ 1,063 milhão de sua dívida apurada com tributos, em três boletos (processo 75.022/2011). E, na mesma data, a Secretaria de Finanças paga R$ 1,054 milhão pela gleba. O encontro de contas da dação em pagamento ficou, então, condicionado a atos seguintes.

Assim, o acordo de dação em pagamento foi assinado no dia 28/12/2011 pelo prefeito Rodrigo Agostinho, os secretários Jurídico, Maurício Porto, e da Seplan, Rodrigo Said, o então secretário de Finanças Marcos Garcia e os proprietários.

A reportagem não localizou outros processos sob a forma de dação em pagamento aceitos pelo governo municipal no mesmo período. O Refis 2011 venceu em 31 de dezembro.

METADE DO VALOR

Veio 2012 e o processo seguiu para a análise quanto à aceitação da gleba e seu valor. O município então constituiu a comissão para essa finalidade. A partir de então uma sucessão de desencontros e mudança de posicionamento ocorreram no caso. O próprio secretário dos Negócios Jurídicos à época, Maurício Porto, se manifestou naquele momento no processo, com apontamento de fatos graves a serem apurados. Nesta fase é que o secretário Jurídico descreveu que o processo foi devolvido sem análise (se a gleba é de interesse pública ou não) e apontou que esta incumbência seria da Seplan.

Em 20/01/2012, a procuradora jurídica Marina Lopes Miranda também destacou que esta informação não foi cumprida. Ela acrescentou que era preciso informar se havia, ou não, ocupação irregular no local, se havia degradação ambiental ou risco de inundação, entre outros.

Em 08/02/2012, Delmar Baptista Santos, da Seplan, enfim apontou que a área era toda rural. Em 24/02/2012 a comissão opina pela não aceitação do imóvel.

O procedimento traz falhas documentais, falta de folhas, inclusive manifestações interna, e erros de numeração no processo. A checagem indica que, entre os “defeitos”, as folhas 63 a 65 e de 101 a 103 não estão no procedimento original analisado pela reportagem. A indicação é de que estas seriam “cruciais” para dirimir a discussão.

O que permaneceu nos autos é que, diante da não aceitação do valor, o proprietário apresentou três laudos apontando para a defesa do preço em que foi realizado o acordo de pagamento, com R$ 1,054 milhão pago pelo município pela gleba. O processo não discute a incidência de área rural sobre o valor.

Documentos seguintes identificavam que a comissão determinou a elaboração de um segundo laudo de avaliação, mesmo tendo feito constar que já havia elaborado laudo (folhas 91 em confronto com folha 17). Ocorre que o arquiteto Oersted Oldemberg Berbert apresentou em laudo avaliação por “valor de menos da metade do valor da primeira avaliação de folhas ‘7’”.

Foi quando o secretário Jurídico, Maurício Porto, encaminhou o processo para a Procuradoria Geral, apontando que em reunião em 24 de fevereiro de 2012 a comissão concluiu que o imóvel não podia ser aceito em pagamento e que o valor era bem menor, devendo o acordo ser anulado e os valores restituídos aos cofres públicos.

Porto enfatizou: “A situação destes autos é grave”, em 13 de abril de 2012. Não se tem notícia na prefeitura de providências determinadas pelo então secretário. Em julho de 2012 a prefeitura fez o registro da área. Mais tarde, o prefeito Rodrigo Agostinho incluiu a gleba em parque natural criado apenas no papel.

Falhas no processo

O processo que resultou no acordo para dação de pagamento traz inúmeras falhas. Há sobreposição de numeração de páginas (com identificação feita sem carimbo e sem rubrica), há inúmeras folhas fora de ordem ou sem qualquer lógica na montagem e faltam manifestações e documentos. A verificação pelo JC de que o procedimento tem indícios fortes de adulteração está comprovada pelo confronto das páginas com “defeitos” com a sequência registrada no e-doc da prefeitura. Lá consta o registro de que o procedimento teve a atuação de outros servidores, de comando, inclusive. Alguns desses documentos e atuações não se encontram nos originais apresentados à reportagem.  No extrato de movimentação do processo há registro de atuação da Procuradoria Geral em 06/01/2012. Mas não há nos autos este documento.

Fonte: https://m.jcnet.com.br/Politica/2019/06/em-2011-prefeitura-pagou-1-milhao-por-lote-mas-laudo-apontou-metade-do-valor.html?utm_source=Whatsapp&utm_medium=referral&utm_campaign=Share-Whatsapp

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